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Casa da Mãe Joana

Esta é uma tragédia grega. Pensando melhor, é uma tragédia brasileira mesmo. É uma peça em um ato com uma porção de atos indecorosos dos deuses do olímpico planalto central. O personagem principal é o grande Assemelhado. O deus do dendê. O único deus verdadeiro. Ele é o senador mais importante do areópago. Aquele que manda e desmanda nos mortais do pelourinho. De tempos em tempos, para promover a integração entre deuses e humanos, ele realiza uma lavagem do Partenon.

O coadjuvante, com papel destacado na tragédia, é o semideus Miché, o Temerário. Este é o herói da peça. Alvo da fúria de Assemelhado, tem seu fígado mastigado e sofre torturas dignas de serem presenciadas pelo Diretor da PF, João Batista Campelo. O líder dos semideuses caiu na esparrela de desafiar o deus rotundo.

O terceiro é um personagem menor. Efiagachado, um deus de brincadeirinha. Não cheira nem fede. Será representado por uma criança que brinca com tijolinhos, com os quais constrói um muro. O menino se esforça todo o tempo para ficar em cima do muro. De tempos em tempos declara: Não há dúvida! Não há dúvida!

O último personagem é uma figura típica do teatro grego, um ator que representa o povo. Representa os homens e mulheres comuns. Será interpretado por um ator magro, com o corpo pintado de branco, ossos destacados e olhos arregalados com grandes olheiras cinzas. Nota-se a miséria e a perplexidade estampada no rosto do povo.

Há palco. Há ação.

Assemelhado: - Nobre semideus, interrompo meus cuidados para informá-lo que preciso de mais espaço aqui no Planalto do Olimpo.

Temerário: - Sai pra lá volumétrico deus. Apesar de semideus, minha ambição e dos meus iguais é desmedida. Vai cantar de galo pra tuas negras vendedoras de acarajé.

Efiagachado, tatibitati: - Pefelê. Pessedebê. Pemedebê! Epa! e cai de cima do muro. Fica chorando baixinho no canto do palco. Pega um aviãozinho e põe-se a pensar em suas viagens.

Povo chega do fundo do palco, olhando alternadamente para Assemelhado e Temerário com seus olhos esbugalhados. Notando o clima tenso, assume tom conciliatório: - Senhores, existem coisas mais importantes para o povo do que esta vã disputa entre deuses... Um safanão dado por Assemelhado o joga no chão.

Assemelhado, sem olhar para o povo esparramado no chão: - Não me desafie, seu quase deus Temerário. Todos sabem que sua deusice só tem interesse pelo porto de Tiros e os dracmas que circulam por ali. E Assemelhado sapeca um cascudo em Miché.

Temerário, sem acusar o golpe, se esquivando: - E você, gorducho lubrificado. Desde de que a ditadura de Esparta liderava nosso povo, você só se preocupa com as minas e energias. Vou assumir o cargo de Zeus temporariamente e sou capaz de te mandar um raio na cabeça.

Efiagachado: - Sou o deus socialista-democrata. O sofrimento do povo me sensibiliza mas... pensando melhor, volto para cima do muro.

Povo: - Por favor deuses. O povo sofre. Precisamos de ações divinas urgentes. Todo deus é brasileiro.

Temerário justifica o cognome e soca o abdômen seco do povo. O povo cai se contorcendo.

Assemelhado levanta a cabeça vigorosamente mostrando que lhe ocorre pensamento importante. Vira-se para Temerário, que se distrai dando pequenos chutes no povo, que geme no chão. Assemelhado fala: - Caríssimo Temerário, realmente teu preço é elevado. Mas, enquanto deuses, sabemos que os humanos não são merecedores de nossa discórdia. Voltemos aos nossos afazeres, afagos e afanos. Estou certo que alguma partilha dessa fonte inesgotável de ouro e mel que controlamos pode saciar nossa sede e sadismo. Estou falando como um deus, nobre colega?

Temerário, olhando para o estrebuchante povo que, em espasmos já não acusa os pequenos pontapés que lhe são aplicados, assume posição ereta e emproada: - Nobre colega e, por que não?, amigo, nunca me passou pela cabeça discordar de sua eminente opinião e orientação. Se aproxime, por favor, agora é sua vez de chutar o povo.

As luzes diminuem sobre os dois deuses, enquanto aumenta a iluminação sobre a criança louca, no fundo da cena, que não sai de cima do muro. Efiagachado, de pé sobre os tijolos, ergue os braços abertos e começa a discursar em francês.

nota: Vocês não acham que o título Casa da Mãe Joana é adequado?

- Tirésias da Silva -


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31maio1999
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