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A margem da sociedade

Existem dois mundos. Talvez mais, mas pelo menos dois. O da fartura, da opulência, do prazer, do curtir a vida. O da falta, da escassez, do sofrer, da luta pela vida. Estes mundos têm divisórias rígidas. São muros altos, seguranças fortes, portas grossas e cadeados. Mas não há a separação perfeita. Existem pontos em que os mundos se tocam. É como naqueles filmes de ficção científica, em que uma pequena passagem aproxima planetas que estão afastados milhões de anos-luz de distância. Ontem, eu experimentei ver um desses pontos de contato entre nossas classes sociais.

Foi uma breve parada em um sinal da Lagoa Rodrigo de Freitas. Um rápido esperar da abertura do sinal foi suficiente para que um menino, não, um rapaz, não, um homem de cerca de dezessete anos chegasse junto ao carro com a mão estendida pedindo uma esmola. Meu ato reflexo de negar já se iniciara quando percebi seu rosto contorcido, em total desespero, chorando e implorando uma ajuda.

Ver alguém chorar não é agradável. Eu assisti um rapaz se despir de qualquer orgulho, desistir de pedir qualquer coisa, se afastar do carro, sentar no meio-fio e, com a cabeça entre as mãos, continuar seu choro, falando sozinho e olhando para o asfalto. O choque foi tão forte como se ele tivesse me assaltado. Nossas situações extremas, infinitamente distantes na sociedade, estavam ali, a poucos metros uma da outra. Ele, com um calção roto, camisa sem mangas, descalço, no frio do inverno carioca, carregando a ausência de perspectiva para sua vida miserável. Eu, dentro do carro, estava confortável, a música era boa, o que passava pela minha cabeça era a preocupação de como relaxar depois de um dia de trabalho.

Não sou do tipo que se sente culpado pelas mazelas da sociedade brasileira. Somos um país de merda, mas não me sinto responsável pela nação medíocre que produzimos. Enfim, não era culpa o que eu sentia. Talvez fosse a emoção do medo de um marginal perigoso que se transformara rapidamente em piedade pelo adolescente destroçado. Nossa frieza é tal que me passou pela cabeça que podia ser apenas fingimento. Podia ser apenas parte de um estilo de mendicância. Que fosse! Pouco mudaria na miséria de vida que cabia ao garoto.

Aquilo é um resumo do nosso povo. O vídeo clipe de uma gente gentil e esmagada frente ao vencedor. Aquele rapaz sem futuro é o resultado de um país sem direção, manietado por golpes seguidos de uma classe dominante, que não abre mão de controlar esta triste nação. Nosso futuro estava descrito naquele moleque. Ele é o ovo da serpente do que está por vir.

Eu? O que fiz? Cumprindo a risca meu cínico papel de dominante pouco esclarecido, dei dois reais para o menino. O sinal abriu. Segui em frente.

- Tirésias da Silva -


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05agosto1999
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