Clóvis e Galisteu
Fico procurando alguma coisa que seja o mote de um texto. Um fato, uma frase, alguma coisa que dispare o discurso e faça o texto fluir. Esta semana, ao receber a Veja, eis que surge uma entrevista com o puro pensamento nacional em estado bruto. Nas páginas amarelas da revista semanal, a musa das celebridades, o paradigma de beleza cuja foto de biquíni faz até a revista Caras parecer interessante. Ali, com toda sua franqueza, Adriane Galisteu se abria (metaforicamente falando) para o Brasil. Franqueza. A moça, apesar do corpinho que exibe, ou talvez por isso, é um poço de limitações, mas sua sinceridade, conforme ela muda de parágrafo, nos leva do riso à percepção das forças vitais que movem a elite brasileira. Bem, sua melhor frase é sem dúvida sua definição de ceder. A lourinha dimensionalmente perfeita explica como é capaz de ceder. Por exemplo, "se o marido gosta de dormir em lençol de linho e ela gosta de lençol de seda. Aí dá pra ceder." Bonito, não é? Que despojamento! Nota-se logo que a Adriane tem afinidade com São Francisco de Assis. É claro que não se pode exagerar. Quando o assunto é dinheiro e fala de doação, ela também exibe uma visão bem particular, Adriane gosta mesmo é de doar para ela mesma. Como ela diz: "Eu adoro dinheiro." Se sinceridade fosse a virtude suprema, a gente podia canonizar essa loura. Bem, é claro que a maneira de pensar da bela lourinha é de um primarismo doloroso. Mas ela é o ídolo. A invejada. A cobiçada. A imitada. De alguma maneira ela molda o modo de pensar do Brasil. Ela não é uma qualquer. Adriane é a vitoriosa. Mal ou mal é um exemplo de como uma moça pode vencer. Depois da Xuxa, que surgiu apoiada pela fama de Pelé, Adriane Galisteu veio no vácuo de Ayrton Senna. Ela é a moça da vez. Aquela que mostra como se deve fazer para chegar ao sucesso. E o discurso dela é: "grana acima de tudo". O resto é detalhe. Este o paradigma da nossa sociedade? Talvez! E o Clóvis? Clóvis Carvalho era aquele sujeito que nós não ouvíamos falar mas que os profissionais de política tinham como uma das principais forças do governo FHC. Era o grande amigo do presidente. Discreto, agia na sombra, mas com poder ilimitado. Na reorganização dos ministérios, Fernando Henrique resolveu explicitar a importância de Clóvis. Colocou-o no Ministério do Desenvolvimento. Mas tem planta que cresce melhor na sombra. O sol fez mal ao poderoso Clóvis. Num arroubo de poder e deselegância, na presença do ministro Malan, embarcou numa seqüência de críticas a este que incluíram o uso de expressões como "covardia". Malan ouviu de cabeça baixa, mas não baixou a cabeça. Ainda mais que o presidente está num momento ruim onde precisa se afirmar, mostrar quem manda. Não haveria pior momento para o burocrata de sucesso cometer um erro. E seu erro foi grandioso. Sua má avaliação, seu delírio de grandeza levou-o à demissão. Como ele mesmo disse em entrevista, ainda descontrolado: "Minha vida pública acabou!" Comenta-se que Clóvis deixou muito desafeto pelo caminho. Alguma champanhe foi bebida para comemorar a aposentadoria precoce do ex-funcionário público de sucesso. Bem, o que Clóvis tem a ver com Adriane Galisteu? Que eu saiba, nada. Nem Stephen King imaginaria Clóvis Carvalho com as pernas de Adriane Galisteu. Ou o contrário. Mas ... mas os erros e acertos de cada um são mais alguns vidros coloridos do vitral brasileiro. Pelo menos dois componentes básicos de nossa sociedade são mostrados com vigor pelos dois personagens: a ganância e a ignorância. - Tirésias da Silva - |
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