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Brasil empata com EUA

Um tipo perverso de tortura são as reuniões sociais. É aquela festa que te convidam e acrescentam ao final: - Vai ser só uma reunião. São um terror! Fica todo mundo jogado pelas cadeiras da casa, tentando engrenar alguma conversa minimamente razoável, bebendo o que for possível e, de tempos em tempos, tentando pescar algo comível entre as maravilhosas pastinhas que nos são oferecidas. Um tédio!

E as discussões? Você chega nestas reuniões sempre deslocado. Acaba conversando com pessoas que nunca viu antes e que, irmanadas pela sofrimento provocado pelas pastinhas, se sentem na obrigação de conversar sobre todos os assuntos, dos mais amenos até as questões políticas e filosóficas mais importantes da humanidade. É nesse momento que surgem os grandes personagens das reuniões. São os debatedores, os reis da tribuna, os polemistas. Enfim são os chatos que resolvem colocar pra fora suas convicções e encher o saco dos já atormentados consumidores de pastinha com cerveja.

Temos chatos de dois tipos: os de direita e os de esquerda. O chato de direita em geral é um bem sucedido de classe média alta, morador da Barra da Tijuca, apaixonado pelos EUA e cujo sonho de consumo é viver em Miami. O protótipo do chato de esquerda é aquele sujeito razoavelmente articulado, tipicamente trabalhador de estatal, que fica a postos esperando que o outro chato diga uma bobagem pra começar a guerra.

E o chato de direita não tarda a falar bobagem. Conforme o tempo vai passando, o álcool faz efeito, e nosso chato liberal vai desenvolvendo, com cada vez mais ousadia, suas teses sobre o ignorante, mal educado e incivilizado povo brasileiro. O assunto sempre presente nessa argumentação é o "avanço do sinal de trânsito", sintoma apontado como representação máxima do nosso subdesenvolvimento. Nosso chato padrão adora esse tema. É claro que ele faz sempre a ressalva de que também "fura" o sinal, mas, é claro, que só faz isso para escapar de possíveis assaltos, sintoma da violência, que, por sinal, é outro de seus assuntos prediletos.

Chega o momento em que o chato de esquerda não agüenta mais e começa a rebater os argumentos do guardião do liberalismo. O debate tem início, as discussões costumam ficar acaloradas. Em geral, os gladiadores da retórica precisam da intervenção de um cônjuge ou amigo para se acalmarem. Felizmente, somente em poucos casos, os contendores chegam as vias de fato.

Uma linha típica desses debates termina com o argumento belíssimo que redime o orgulho nacional. As estatísticas apontam que, na maioria das vezes, ele é apresentado por representantes do sexo feminino. (Por favor não encarem como preconceito. São apenas dados estatísticos.) Mas o fato é que depois de ser acuada por todas as vantagens apresentadas pelo chato americanizado mostrando a superioridade de viver falando inglês, fazendo compras no Wal Mart, comprando carro barato em dólares, sem pivete nas esquinas, sem desempregados, sem corrupção no governo, sem a Telemar, nossa chata patriota tem de empunhar o irresistível (pelo menos até agora) argumento final: - Pelo menos no Brasil não temos esses malucos que entram numa escola ou Mac Donald's e saem atirando em todo mundo!

Pois é. Não sei como os chatos patriotas vão ficar agora. O estudante de medicina Mateus da Costa Meira nos equiparou aos EUA entrando num cinema e descarregando uma submetralhadora na platéia. Matou dois e feriu seis. Continuamos piores que os EUA em todos os indicadores sociais, mas a atitude de Mateus deve nos aproximar bastante dos americanos no quesito "insanidade armada".

Os chatos liberais vão acrescentar ao seu repertório o comentário sugerindo que os próximos dementes que resolverem sair atirando por aí adotem o estilo armênio e façam isso dentro da câmara dos deputados. Ao quê, o chato de esquerda vai replicar que isso não vale pois os deputados do PFL nunca estão no plenário e, por isso, ninguém que merece será abatido. Então o chato de direita vai dizer que ...

- Ernesto Friedman -


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07novembro1999
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