Liberô Geral Os sábados estão ficando difíceis. Após uma semana na labuta, ansiamos por uma rotina preguiçosa e tranqüila, livre dos problemas da vidinha real. Depois de uma noite de sono revigorante, acordamos sonolentos, lerdos, querendo fugir de qualquer coisa que perturbe a pretendida paz. Buscamos o café para completar o retorno à realidade. Xícara na mão, segue-se o ritual de sentar no sofá para ler o jornal com calma pela primeira vez na semana. Logo de cara nos deparamos com a manchete impactante: "coronel que comandou o extermínio de Carandiru é condenado a 632 anos de cadeia". A indignação vem em seguida. Por ser réu primário, ter endereço fixo (essas atenuantes generosas de nossas leis) o coronel vai ficar em liberdade! Sem me aprofundar no mérito das licenciosidades de nossa legislação para perdoar os mais abastados ou poderosos, minha sensação é que o dito coronel é um criminoso de vocação genocida e, mesmo assim, está mais protegido pelo sistema do que eu. O café vai ficando um pouco amargo. A leitura continua. Logo abaixo, somos informados que o juiz Nicolau, ícone da corrupção no Brasil, teve direito a prisão domiciliar para tratamento médico. O canalha e a família comemoraram a liberdade comendo pizza em sua mansão no Morumbi. Tudo a ver! O rico ladrão de dinheiro público não podia ser tratado na Casa de Custódia onde estava? Por que ir para sua casa de luxo, provavelmente adquirida com o dinheiro que roubou de mim? Mais uma vez, confirmou-se a regra brasileira de que quem tem dinheiro dispõe de uma enorme arsenal de firulas legais para escapar. Já o cidadão comum, este não dispõe nem mesmo dos direitos básicos, como o direito a vida, que faltou aos detentos de Carandiru, executados sumariamente quando estavam na guarda do Estado. Mas a zona continua. Depois da liberdade do coronel assassino e do juiz ladrão, no Rio de Janeiro, a Assembléia Legislativa avança em seu programa de avacalhação dos direitos e deveres dos cidadãos. O objetivo perverso, por trás dessa investida dos vereadores do Rio, certamente é confundir os cariocas sobre o que é certo e errado. Movidos pelo lobby das igrejas (aquelas franquias de Deus, que promovem cultos mais animados que bailes funks), os vereadores aprovaram liberar o barulho até o nível de 85 decibéis. Caros leitores, neste nível de ruído, fica valendo qualquer algazarra. Ficam autorizados aqueles terríveis carros de som, gritando "pamonha, pamonha". Ou a propaganda eleitoral aos berros, torturando - este nível de ruído causa taquicardia e estresse! - os cidadãos. A paz será abolida da cidade. O café da manhã já tinha perdido a graça quando vi a última novidade. É o "liberô geral" para a velocidade dos carros depois de 10h da noite, quando os veículos não poderão ser mais multados por excesso de velocidade. A desculpa esfarrapada se baseia no perigo de assaltos. Me pergunto por que a demência é tão disseminada entre nossos legisladores? Pelo que entendi, a brilhante idéia dos vereadores é que se nós todos nos deslocarmos a 100km/h não há risco de ser assaltado. Uma lei sábia, pois não? Já imaginaram que esta loucura noturna é praticamente um toque de recolher para a já intimidada população. Andar de carro depois das 22h vai ser atividade de alto risco. Sair de carro de noite é para brincar de bate-bate. Vislumbro para a vida cotidiana no Rio: ficar em casa longe da janela para não tomar bala perdida, ouvindo o som calmante do baile funk, com a luz apagada para não gastar energia, acompanhando a gestação do filho do Gugu pela tevê. Não é maravilhoso? Bem, se você enlouquecer e começar a gritar Aleluia! Aleluia!, pelo menos seu vizinho não poderá reclamar do barulho. Talvez haja algo de bom: se alguém ainda conseguir fazer sexo, pode gritar a vontade durante o ato que 85 decibéis é um limite bastante alto para ser alcançado. E durma-se com um barulho desses! - Tirésias da Silva - |
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