O Brasil é a próxima Argentina?

A Argentina é aquele país que surpreende todo mundo. Começou o século como uma grande promessa. A população era educada. Tinha riquezas naturais. Era o celeiro do mundo - tipo Estados Unidos - produzindo trigo em quantidade. Também produzia carne de primeira e tinha petróleo. Mas, como Roberto Campos gostava de citar, Argentina e Coréia mostraram que o destino de uma nação pode sofrer grandes reviravoltas. A Coréia, país agrícola e pobre no início do século, é hoje uma potência econômica. Já a Argentina, com todo seu potencial e partindo de uma situação de liderança no continente, é um país virtualmente falido. Vai ter que dobrar os joelhos (é possível dobrá-los mais?) perante a comunidade internacional para obter recursos para sobreviver. Os cobradores costumam fornecer empréstimos em dose suficiente para deixar o país apenas respirando. O importante é que o devedor funcione num nível mínimo que lhe permita pagar os juros e repassar suas empresas para o capital externo, que vem generosamente em socorro do país quebrado. Em tempos de globalização, a Argentina pode neste momento estar dando adeus de vez a sua pretensão à soberania. Ai dos vencidos!

No cenário de caos do vizinho do sul, a aparente calma brasileira é tranquilizadora. Com o mundo sofrendo bombardeios generalizados, sejam as bombas despejadas pelos B52 no Afeganistão ou o antraz enviado pelo correio americano, a expectativa da chegada do relaxado verão brasileiro é a visão de um oásis neste mundo de padecimentos. Parece que o Brasil está saindo pela tangente do furacão. Mas, estamos escaldados. Esmola boa e o santo desconfia. Se não fossem a falência da Argentina e o bin Laden aprontando, nossa situação era para causar apreensão. Por exemplo: nossa dívida pública. Pense no governo como um pegador de empréstimo dos bancos. Ele já deve cerca de 600 bilhões de reais aos bancos. O problema é que este mal pagador paga juros 19% ao ano. Aliás, um número que se discute pouco, não passando da frase "os altos juros brasileiros". Quem decide seu valor? É o Banco Central. O BC, movido pela chantagem dos bancos, ao menor sinal de problema interno ou externo, generosamente aumenta a taxa de modo que os agiotas, digo, os bancos continuem a emprestar ao governo. Resultado: bom para quem tem algum dinheiro para aplicar e pode tirar proveito dessas altas taxas. Péssimo para quem deve ou tem que pedir dinheiro emprestado para financiar negócios. Só para comparar, os EUA, depois dos ataques em Nova York, interessados em reativar a economia, baixaram os juros para 2,5%. Viram: aqui, 19%, lá, 2,5%! Nem sempre o que é bom para os americanos é bom pra gente.

Mas, voltando a nossa dívida sempre crescente. Quando colocamos o dinheiro no banco para render aproximadamente 1% ao mês, quem está nos emprestando, no final das contas, é o tal governo. Os bancos atuam como intermediários, tirando sua polpuda parcela. E haja polpuda. Os bancos nos emprestam em taxas da ordem de 10%. Vocês acham que isso é um bom negócio? Acertaram. O Bradesco teve 1,5 bilhões de lucro até setembro desse ano. Como só existe mágica nas informações das campanhas eleitorais, a grana dos juros que os bancos estão ganhando (o Bradesco não é exceção) vem de algum lugar. Imagine quem paga? O nome disso é transferência de renda. De todos nós para os donos do capital.

De novo - estou disperso – e a dívida pública? Bem, a História nos mostra que aqui ela costuma ser administrada sem o menor pudor. Ela cresce, cresce até que estoura... bum. Então, o governo dá calote. É comum isto acontecer logo depois de uma eleição, de preferência presidencial. Funciona assim: o governo manipula a economia de todo jeito de modo que o buraco não apareça antes que os poderosos consigam eleger alguém alinhado com seus interesses. Após a eleição, criam-se artifícios financeiros para reajustar o valor dos ativos nos bancos e representar o mico que é ter um devedor como o governo brasileiro. São tablitas, deflatores, empréstimos compulsórios ou, simplesmente, o confisco. O povo chora. O povo grita. Depois de um tempo, o pessoal se acostuma com o trambique que sofreu e a vida continua.

Pois é, depois da Argentina tomar este pepino (tadinha, não chega de pé até o Natal) será a vez do gigante verde e amarelo. Não precisam correr aos bancos já. Nosso dinheiro já está valendo pouco, depois do reajuste do câmbio. Não vale mais a pena fugir para o dólar. Ainda podemos contar com a calmaria até as eleições presidenciais. Bem, depois disso, com a economia mundial em recessão, aumento do desemprego, as exportações brasileiras mais e mais difíceis, as dívidas interna e externa  lá em cima ... aí é bom se preparar. É bom ficar com as barbas de molho. O governo provavelmente dará mais um "devo não nego". Com elegância, é claro. Mas, fiquem certos que vão enfiar a mão no seu bolso.

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04novembro2001
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