Racismo ao Avesso

Milla Kette (millakette@aol.com)
colaboradora

O ator Milton Gonçalves "estrela da campanha do Ministério do Desenvolvimento Agrário sobre as quotas para Negros" (1), apesar de achar que "o sistema não é o ideal" (1), defende esse mecanismo racista. Gonçalves, ator de renome nacional, necessitou apenas de talento e trabalho duro para chegar onde está e não de mecanismos que beneficiam uns em detrimento de outros. Segundo o professor José Roberto Pinto de Góes (2), essa é uma manobra que vai acabar "privilegiando uns em prejuízo dos demais [além de ser] uma violação da Lei Afonso Arinos". Essa lei trata de preconceitos de raça ou cor. Em 1984 (Lei nº 7.437), se acrescentou ao texto original sexo e estado civil. Ambas referem-se a preconceitos e qualquer um que sinta-se prejudicado pode lançar mão delas. Não consideram Negros como desiguais ou deficientes, apenas colocam limites nas conseqüências do preconceito; não o impedem, mas tentam controlá-lo. Ao que parece, ainda não são suficientes!

Para o Ministro Afonso Jungmann "ações afirmativas e quotas para Negros é uma boa oportunidade para discutir o tema". Na página 6 do Globo de 15/12/01 (Tema em Discussão: Quotas para Negros), sob o título de "Dez Questões", o ministro responde à justa indignação dos Brasileiros a esse absurdo (que ele chama de "polêmica"). Ele inicia pela constatação de que há racismo no Brasil. Racismo existe no mundo inteiro e não cessará de existir por causa de uma lei. Segundo ele, há que analisar porque "Negros e Pardos, mesmo sendo 55% da população, têm presença quase nula no topo das carreiras dos setores público e privado". E os indígenas, os caboclos, Ministro? Não são também marginalizados? Onde está o estudo determinativo sobre sua participação? Não adianta criar mecanismos que qualificarão artificialmente funcionários não preparados para os postos que ocuparão. E se "somos uma sociedade mestiça", como se classificará quem será beneficiado? Segundo ele, através de "exames", os quais ele não se deu ao trabalho de especificar, pois é mais importante "trabalhar progressivamente visando à consistência do programa". Em outras palavras: qualquer observação lógica e pertinente será desconsiderada.

O ministro cita a Constituição e o que ele chama de "tratamento desigual para desiguais", ou seja "deficientes e mulheres". Apenas se as referidas mulheres forem deficientes há motivo para serem tratadas de forma preferencial, o mesmo aplicando-se aos Negros. A não ser que o ministro os considere deficientes, incapazes e por isso creia que necessitem um "empurrãozinho"... Esse ato de puro preconceito ele chama de "oportunidades diferenciadas para que a competição possa ser justa". Mas se isso destrói qualquer competição! Apesar de ele negar, obviamente qualquer um que não se enquadre no vago conceito de Negro, será categoricamente discriminado. Ele crê que esses foram o único mecanismo de auxílio aos escravos Norte-americanos e seus descendentes; o ministro certamente desconhece Abraham Lincoln (3), a Reconstrução (4), o Bureau Freedmen (5) e o Ato de Direitos Civis de 1965 (6). O último, originalmente tinha como fim garantir que todos os cidadãos seriam tratados sem que raça, sexo ou etnia fossem levados em conta. Com os anos, transformou-se num mecanismo muito lucrativo para a Esquerda. A Constituição Brasileira, visceralmente diferente da norte-americana, é longa, super detalhada, cheia de emendas e complicada. A segunda compõe-se de 7 artigos e 27 emendas (7), foi escrita em 1787 e, o que é mais importante, funciona na prática. A Constituição Brasileira consta de 250 artigos (com vários parágrafos e alíneas), Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (83 artigos mais as alíneas, etc) e Emendas Constitucionais (que iniciam em 1992 e terminam em 2001). E tudo isso ainda não é suficiente para "proteger" os Negros de atos discriminatórios? O Brasil precisa de mais emendas e leis?! Há leis que punem o estupro, mas ainda assim há quem o pratique; criando novas leis se erradicará esse crime?!

Essas ações discriminatórias resultaram nos EUA em revolta justa entre os que não vicejam à sombra confortável do epíteto de Minoria –ou seja, única e exclusivamente homens Brancos. Como consequência, os processos de "reverse discrimination" (discriminação ao inverso) se multiplicam (http://www.foxnews.com/story/0,2933,43273,00.html, http://www.adversity.net/horror.htm). Brancos são colocados de lado, não importando se são mais capacitados, pois a escola ou a empresa são obrigadas a atingir uma certa quota de minorias. O partido Democrata manipula lindamente esses direitos especiais, alimentando o ódio e o separatismo. Esquecem-se eles que foi o Partido Republicano quem iniciou o processo de liberação dos Negros nos EUA. O representante dos Democratas, Douglas, teve debates acirrados com Lincoln sobre esse tema. Os Democratas acreditavam que o fim da escravidão iria destruir as colônias do Sul, ao cercea-las de mão de obra. No entanto o Norte (que praticamente não possuiu escravos) na época já era muito mais desenvolvido economicamente, provando assim justamente o contrário. Felizmente, muitos Estados Americanos já não adotam mais o sistema de quotas.

Imagino que, a essa altura, estou sendo alcunhada de (na melhor das hipóteses) racista. Mas não sou. Jamais consegui compreender porque há pessoas que diferenciam outras pela cor. Como não acredito que os Negros são menos inteligentes ou capazes, ou menos motivados que os Brancos ou qualquer outra raça, não vejo lógica para tal ação que tem única e exclusivamente interesses políticos como leitmotif por trás da fachada de solidariedade. Será que os Negros Brasileiros verdadeiramente crêem que são "desiguais ao extremo"? Desiguais em que? Em inteligência? Em motivação? Capacidade? A instituição e assimilação desses mecanismos racistas é o primeiro passo para alimentar-se o sentimento de vítima entre os Negros, exatamente como o Partido Democrata Americano (Esquerda) e o PT fazem. Depois, estou certa, virão as mulheres (essas também desiguais na concepção do ministro)...

(1) jornal O Globo, "O País", 9/12/01

(2) idem, "Opinião", 14/12/01

(3) presidente Republicano que trabalhou para a emancipação dos escravos, proclamando sua emancipação em 1862.

(4) na verdade chamada de Reconstrução Radical, pois era liderada pelos Republicanos ditos radicais, que desejavam dar direitos iguais aos Negros libertos: http://blackhistory.eb.com/micro/496/71.html.

(5) constituído durante a Reconstrução a fim de auxiliar os Negros em transição da escravidão para a liberdade: http://blackhistory.eb.com/micro/219/29.html.

(6) em seu início a Ordem Executiva proibia a discriminação racial em empregos, direito de voto e no uso de lugares públicos: http://blackhistory.eb.com/micro/129/79.html e http://www.adversity.net/Terms_Definitions/terms_main_frame.htm.

(7) a maioria das constituições (nacionais) que hoje existem, vêm de 1970 (http://www.usconstitution.net/const.txt)

OBS: Nos EUA, Quotas e Ação Afirmativa são sinônimos  (http://www.cnn.com/US/9607/01/affirmative.action/)


 
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01.03.2002

Não estou bem certa da eficiência do sistema de cotas. Isso porque não estou bem certa da eficiência do sistema de ensino do país. No entanto, justificar a inaptidão desse sistema com base na certeza de que os negros não precisariam de um "empurrãozinho" é de uma ignorância histórica imensurável. ...  Essa senhora precisa saber que não se trata de um julgamento de competência, é sim uma justiça histórica, um acerto de contas mesmo, para reverter o descaso secular para com a população negra, que fez com que sua imensa maioria permanecesse longe da vida acadêmica e, consequentemente, de uma melhoria de condições. Quanto aos índios, há muito já se encarregaram de dar cabo deles, restando aos poucos descendentes uma vida de indignidade comparável, na minha opinião, ao que deve ter sido a vida dos primeiros negros "libertos". Algo até pior, aliás. Restou-lhes apenas o papel de peças de zoológico, de parque temático, uma total ausência de identidade. Muito triste. Mais triste ainda quando os vemos sofrendo mais e mais humilhações, como servir de argumentação ingênua para teorias racistas. Racismo, sim. O bom racismo, né? Aquele que não quer o mal do negro (ou índio ou nordestino...), quer apenas que ele fique em seu lugar. Realmente, não sei se o sistema de cotas é eficiente. Não sei se leis impedem crimes. Mas, prefiro morar num país onde o estupro é ilegal. Por isso, prefiro morar num país onde meus filhos terão garantia de um curso superior, mesmo que dentro de uma cota. Se isso for prejudicial aos brancos no futuro, vou ter o prazer de me juntar ao coro e reclamar. Isso também se chama cidadania. Censurar isso, eu defino como racismo.

12.12.2002

A reportagem sobre quotas demonstra a riqueza de conhecimentos históricos e empíricos da jornalista, aguardei com ansiedade a famosa frase: o problema do racismo é uma questão de conscientização. Isto sim é uma pérola não de ingenuidade, mas de conveniência.

Os negros sabem que não são desiguais em capacidade, conhecimento ou o que quer que seja, mas sim em oportunidade. E é esse disparate que o estabelecimento de quotas resolve.

As oportunidades devem ser franqueadas a todos e se assim não forem naturalmente por razões simplistas de preconceito velado, que o sejam por imposição legal.

Firmiane Venancio - Defensora Pública do Estado da Bahia e Especialista em Direitos Humanos


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08março2002
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