Como Era Gostoso o Meu Yankee

(Ou: o que a fome tem a ver com o pato?)

Milla Kette (millakette@aol.com)
colaboradora

Um dos tantos caros amigos cibernéticos que me honram com sua amizade - Paulo Diniz - perguntou-me em seu último E-mail se os States são "um país bom de se viver, como parece ser". Não sei porque cargas d’água a pergunta me fez lembrar daquele filme - Como Era Gostoso o meu Francês - onde os índios no final jantam o tal francês... Fiquei matutando o que me teria levado a desenterrar tal lembrança adolescente e não cheguei a conclusão alguma - deixo aos leitores os momentos de filosófico matutar e que me enviem sugestões, se assim lhes aprouver. Voltando ao que interessa, minha resposta poderia resumir-se num curto "sim", mas quero encher mais de uma lauda com alguns motivos para tão cândida e pronta resposta.

A primeira coisa que me agradou quando vim morar aqui nos States, foi a organização desses caras. Vivendo com um americano - meu marido, Terry - vi mais de perto o tal do American Way of Life (que muita gente despreza, mesmo sem compreender realmente do que se trata), que é algo muito singelo. Os Yankees são - e falarei sempre em termos gerais, please - extremamente práticos, chegando muito próximos da linha que separa a praticidade do desleixo. Eles gostam de tudo muito simples e despretensioso, são imensamente informais e, às vezes, beiram a inocência. A ignorância do que outros países pensam deles, foi causadora de imenso choque quando se ficou sabendo aqui o tanto de desprezo e ódio que alimentam países que, muitas vezes, recebem milhões de dólares em ajuda dos EUA (seja em auxílio humanitário ou em troca comercial). Foi uma desagradável surpresa, mas ao mesmo tempo, creio que serviu para abrir um pouco os olhos do povo para o fato. Não tenho certeza se compreenderam totalmente a mensagem intrínseca nessa descoberta - que os que têm sucesso devem ter consciência da inveja dos que não conseguiram ou não tiveram competência e garra para chegar lá...

Os americanos têm uma tendência a fazer caridade, a auxiliar - não, eles absolutamente não têm asas ou alo! Por exemplo, no contracheque de Terry, toda semana, uma pequena quantia (U$5 x 12 meses = U$60) já é descontada e vai para a instituição de caridade da escolha dele. No ano de 2000, o Independent Sector (uma coalizão de grupos voluntários) estimou que 44% dos adultos Norte-americanos (uns 84 milhões de pessoas) foram voluntários em alguma organização, numa média de 3,6 horas por semana. Esse número certamente cresceu muito após o dia 11 de setembro. É coisa muito comum, por exemplo, ver cargos em parques nas cidade serem preenchidos por voluntários. Certos dias do mês, cidadãos voluntários coletam o pouco lixo que acumula-se nas estradas - principalmente em período de férias. Em dia de votação, as pessoas que participam das mesas, são voluntários - em geral, aposentados - e trabalham das 6 da manhã até às 7 da noite. Há um programa de voluntários que, particularmente, acho excepcional (do qual pretendo participar) e chama-se "Meals on Weels" (Refeições a Caminho). Os voluntários, em seu próprio carro, levam uma refeição a uma pessoa idosa, não necessariamente pela comida, mas pela companhia; muitas vezes, essas são as únicas pessoas com que esses idosos têm contato naquele dia.

Algo que me chamou a atenção desde o início foi o curto espaço de tempo que os Americanos necessitam para uma refeição - principalmente nos locais onde servem fast-food. Observo sempre as mesas vagarem ao meu redor, enquanto minha filha e eu continuamos calmamente conversando depois da refeição e meu marido, discretamente, dá uma espiadela no relógio. Por isso McDonalds no Brasil está sempre lotado e aqui normalmente vazio... O segredo? Simplesmente eles saem para comer, comem e seguem para qual seja o outro programa. Sem essa de cafezinho enquanto a conta não vem! O café, normalmente, tomam uma caneca, junto com a refeição - o que aprendi a gostar, confesso...

Moro numa cidade minúscula. Nas primeiras vezes que o tempo permitiu um passeio (mudei-me para cá em pleno inverno, com neve pelas canelas e hibernei nos primeiros meses), Terry e eu caminhávamos pela calçada quando esse casal, cruzando nosso caminho, sorriu e nos cumprimentou. Quando eles passaram, perguntei a meu marido quem eram. Ele não tinha a mínima idéia. Imaginei que eles nos haviam confundido com outros, mas ele apenas observou que é algo natural por aqui. Morei em Gramado e em Taquara, circulando muito por Canela, Igrejinha e Três Coroas; jamais nesse período um desconhecido me cumprimentou na rua. Outra coisa bastante comum acontece nos corredores de supermercados e lojas. Minha primeira vez foi em Fort Lauderdale (umas 30 milhas ao norte de Miami), quando ainda morava na Flórida. Numa ala do Target (loja de departamentos) estava eu calmamente admirando uma prateleira, quando ouvi um "excuse me" e alguém rapidamente passou entre eu e a dita prateleira. Um tanto curiosa, olhei em volta. Minha amiga, que já vivia nos EUA há 5 anos, sorriu e explicou que eles aqui têm o hábito de pedir licença antes de cruzar à frente de alguém - o que tornou-se meu também! Observei a mesma surpresa que experimentei naquele dia, quando no Rio, ano passado (2001), pedi licença para passar em frente a uma senhora que analisava uma prateleira no Supermercado Sendas, na Barra da Tijuca. Foi divertido vê-la olhar em volta, sem saber que falava com ela.

Logo que mudei para essa parte do país, fiquei com uma impressão negativa, pois quando era apresentada como brasileira (apesar de ter nascido na Califórnia, morei quase toda vida aí), ninguém jamais perguntava nada sobre o Brasil, apesar de mostrarem-se fascinados com as descrições e fotografias. Um dia acabei comentando com meu marido do pouco interesse que os Americanos mostravam pelo país onde morei, do qual eles têm quase nenhum conhecimento. Puxa, que pessoal bem alienado, pensei. Ele explicou que as pessoas ficavam com receio que eu as considerasse descorteses se fizessem perguntas ou revelassem sua curiosidade. Infelizmente, os EUA é o país do politically correct, onde mera curiosidade pode ser interpretada até como racismo... Talvez, por isso, venha bem a calhar a lembrança do passado, quando curiosidade era apenas isso, a vontade de saciar a fome de conhecimento? Daí, a fome dos índios - será que era mesmo gostoso aquele frenchie?


 
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08julho2002
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