JOGO DURO

Percival Puggina (www.puggina.org)
colaborador

Retornando do Exterior, fico sabendo que o governo Lula promete jogar duro nas negociações internacionais do Brasil. É bom recordar que o processo de abertura da nossa economia começou muito mal pois entramos no mercado como compradores de volumes muito significativos sem buscar as devidas reciprocidades. Esse aprendizado, no entanto, ao longo do tempo, caminhou numa direção mais adequada e acabamos ampliando significativamente nossas exportações. Vimos enfrentando com firmeza os protecionismos norte-americanos e europeus, e dificilmente alguém poderá dizer que o país não defende seus interesses comerciais.

Surge, então, a curiosidade: em que sentido vai, o novo governo, jogar duro? A experiência gaúcha com os critérios petistas de negociação é assustadora. No início de sua gestão, o governador Olívio Dutra decidiu renegociar, com dureza, o contrato, já acertado e assinado, que nos assegurava a instalação da montadora da Ford. Supondo que questões desse tipo podiam ser conduzidas como se fossem dissídios coletivos no sindicato dos bancários, ou localização de feirantes na Praça XV, os negociadores do governo gaúcho passaram a dar declarações impertinentes aos órgãos de comunicação, prolongados chás-de-banco aos dirigentes da empresa, formular denúncias públicas sobre certos termos do contrato, finalizando com o calote da primeira obrigação que lhes corresponderia a responsabilidade de cumprir.

O jogo duro do governo trouxe a campo os representantes dos setores econômicos estaduais (especialmente aqueles interessados no desenvolvimento industrial rio-grandense) alarmados com o desastroso rumo que as coisas tomavam. Malvistos no processo, foram, também eles, objeto de repetidos gestos de desconsideração. A cena final do duríssimo jogo foi patética e inesquecível: o governador, rodeado por seu secretariado, declarando à imprensa, na mesa de reuniões do Piratini: "Estamos, aqui, esperando a Ford para conversar". O mundo inteiro já sabia, desde a véspera, que a empresa, dada a conduta e a inadimplência do governo, pegara o boné e fora embora.

As explicações oficiais se sucederam, ora para afirmar que a Ford estava mal das pernas na América Latina e desistira do projeto Amazon, ora para sustentar que o mercado automotivo batera no teto e não precisava de novas fábricas. Desatentos a essa extravagante convicção local, os governos de Santa Catarina e Rio de Janeiro passaram a assediar a indústria, que, dois meses mais tarde, resolveu se estabelecer na Bahia. Para que aqui estivesse, teria bastado que se cumprisse o contrato em vigor. Depois disso, nenhuma empresa de porte veio para o Rio Grande.

É bom, portanto, que o futuro governo brasileiro jogue duro em defesa de nossos interesses. Mas que não os confunda com empedernidas convicções ideológicas.


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27novembro2002
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