Agora que a poeira começa a sentar, depois da Missa de Sétimo Dia, podemos falar com mais serenidade da morte de Roberto Marinho. Foi um cataclismo. Insuflada pela mídia Global, a morte do jornalista e empresário, aos 98 anos, causou comoção nacional. Era esperado algum estardalhaço, mas impressionou a versão: Parecia que tinha morrido Gregório Bezerra ou Luiz Carlos Prestes. Um desatento pensaria que morreu um líder do Partidão. Quem leu O Globo por esses dias ficou com a impressão de que Roberto Marinho foi o protetor dos comunistas. A história do "eu cuido dos meus comunistas" foi contada à exaustão. Com esta versão suave de seu posicionamento político começa a ser desenhada a versão para a posteridade de quem foi o poderoso Dr. Roberto. Deixo minha contribuição para delinear a imagem do dono da Globo: foi um empresário dos mais bem sucedidos e poderosos que o Brasil já teve, que se caracterizou por sua pouca afinidade (ou franca oposição) aos movimentos populares que lutaram contra a ditadura e buscaram a vitória da esquerda no país. A Globo de Roberto Marinho lhe proporcionou enorme poder, construído sobre a desorganização do regime militar. Com o fim da ditadura, através da sustentação de políticos locais que a força das Organizações Globo quase tornaram estadistas, tais como Sarney e Antonio Carlos Magalhães, Roberto Marinho administrou o cenário político nacional com rédea curta. A impressão que se tinha - e que parece corresponder à realidade - era de que a escolha dos Ministros das Telecomunicações era decidida em seu escritório e, depois, comunicada ao presidente em exercício. Nesta área, Marinho mandava e desmandava. Da mesma forma como buscava o novo na tecnologia e criatividade em seus meios de comunicação, sempre era contrário à renovação política do país. Se cada vez ele tinha mais poder, por que mudar as coisas? Marinho só se decidiu a favor da luta pelas Diretas quando o povo já estava nas ruas. Roberto Marinho, ou seus jornais e, principalmente a televisão, escolheram Collor quando este se tornou a única opção para vencer o temido operário rebelde Lula da Silva. Pouco lhe importava o risco de eleger o alucinado Caçador de Marajás. Lembram do último debate entre Collor e Lula? Foi a tendenciosa edição do noticiário sobre o debate que garantiu a vitória collorida. O responsável pela edição, jornalista Alberico Souza Cruz, ganhou a direção de jornalismo da Globo como prêmio pelo belo trabalho. Depois, parece que Collor não se dobrou para beijar a mão de Marinho. O rapaz tinha ambições maiores. Queria até uma tevê – a Manchete - para ele e seu grupo. Um excesso de ousadia que gerou pronta reação de Dr. Roberto! A Globo foi ágil e teve papel determinante no processo de mobilização nacional que levou ao impeachment de Collor, que, àquela altura, já era peça descartável pois cumprira a tarefa de impedir Lula de chegar ao poder, podia ser tirado do caminho. Com a morte de Roberto Marinho acaba o segundo e, provavelmente, último período de poder irresistível oriundo dos conglomerados de imprensa no Brasil. O primeiro foi Chateaubriand e seus Diários Associados. Com a saída de cena de Chateau, Roberto Marinho construiu seu império jornalístico e, já nos seus cinqüenta anos, criou a TV Globo, que, reconheça-se, é a versão brasileira de Hollywood. A Globo reinventou as novelas. Criou um padrão de qualidade na tevê que até hoje é um patrimônio da empresa. A situação financeira do grupo já não é tão boa. Uma enorme dívida em dólares deixa a empresa mais fraca e os Marinho mais dependentes do Governo Federal. Ainda assim, a Globo gera 15.000 empregos diretos, a maior parte deles no Rio de Janeiro, por sinal, mais um mérito do Dr. Roberto: sua fidelidade à Cidade Maravilhosa. A grandiosidade que cercou a morte de Roberto Marinho não surpreende. Era previsível. Todos os dependentes do poder Global, fossem políticos ou artistas, tinham de reverenciar o velho chefe. Mas, impressionante, foi assistir Brizola prestigiar o enterro de Roberto Marinho. Pr quê tanta etiqueta? Se isso é boa política, eu não entendo mesmo esta porcaria. A Globo se opôs tenazmente às eleições de Brizola e seus governos no Rio. A opção de Marinho era por qualquer um que fosse contra Brizola. O Jornal Nacional, no final de um governo Brizola era um desenrolar de misérias do Estado, era propaganda diária, em horário nobre, para impedir Brizola de ganhar. Um eficiente jogo sujo. Depois disso tudo, por que Brizola vai beijar a mão do cadáver do dono da Globo? Sua biografia ficaria melhor se ele mantivesse uma mínima distância do Cosme Velho e não comparecesse ao velório do ano. Me lembro quando Brizola fazia oposição ao poder Global. Disseram que os Marinho queriam vê-lo morto. Com seu jeito desafiante, Brizola debochava, brincando com o destino: "Minha família vive muito. Os Marinho podem esperar sentados que eu ainda vou durar muito." Nisso, Brizola acertou. Ele sobreviveu a Roberto Marinho. Não precisava era usar a sobrevida para tomar cafezinho no velório do Dr. Roberto. - Tirésias da Silva - |
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