Criatividade econômica
A ciência econômica é decididamente uma zona. Os economistas, em particular nos países mais social e politicamente atrasados como o nosso, vivem inventando soluções mágicas. Em geral dá tudo errado, mas aí o grupo inventor já se safou, estão todos arrumados financeiramente e resolvem tudo alegando, na maior cara de pau, que a culpa não foi deles. E fica tudo bem! No contexto mundial, o Brasil é líder em testar as tais novas soluções. Somos o maior tubo de ensaio econômico do mundo. Grandes idéias foram incubadas nesta terra tropical: Plano Cruzado, Plano Collor, Plano Real. Na verdade, nossos economistas não são muito criativos. O roteiro dos crimes, digo, dos planos, é sempre o mesmo. Inventa-se a solução fantástica que, pelo discurso deles, é aquela que vai acabar com todos os planos fracassados anteriores. Aí, escolhe-se um parâmetro ou outro da economia e este vai sendo controlado para manter a sobrevida do plano. Basta então, esperar por um momento oportuno (é comum escolher este momento logo após o bloco de poder que implantou o plano milagroso ganhar uma eleição importante) e rompe-se a corrente, dá-se um golpe no mercado, gera-se uma crise e iniciam-se as articulações para montar um novo plano que vai resolver todos os problemas. E a história do Brasil continua. Bem, para que o ciclo funcione a contento é necessário alterar as regras após cada crise gerada. No Plano Real, por exemplo, nos foi apresentada a regra de ouro que a única maneira de segurar o dinheiro estrangeiro no país era via o aumento radical da taxa de juros. Seguindo esta premissa, o Brasil competiu ao longo dos últimos anos entre os países com maior taxa de juros do mundo. A revista Business Week calculou em 2 bilhões de dólares anuais o aumento da dívida externa decorrente de 1% a mais de aumento na taxa de juros paga pelo Brasil. Seguindo o nonsense Orwelliano de nossa terra, desde a crise de fevereiro, o governo começou a baixar os juros. Estava na casa dos 40% ao ano há coisa de 2 meses. Já está batendo nos 20%. Ué? Mas os juros altos não eram fundamentais para que o capital estrangeiro não abandonasse o país? Eu já estava me acostumando com a idéia de meu país era caloteiro mesmo e que a única maneira de conseguir empréstimo era pagando juros escorchantes aos agiotas internacionais. Mas, eis que de repente, os estrangeiros ficaram bonzinhos ou generosos ou bobos e aceitam juros bem mais baixos. O que deu nesses estrangeiros, antes tão ingratos? Será que eles ficaram repentinamente confiantes no nosso país? Quer dizer então que eles aceitam investir aqui mesmo que os juros não sejam mais aquela festa dos 40%? Existe a desculpa de que agora o câmbio flutua e este é um fator importante para a decisão dos investidores internacionais. Puxa vida! Então nossos economistas foram tão burros assim. Então não era para manter por tanto tempo o câmbio fixo? Tantos doutorados, tantos cursos em Harvard, e só depois que o Brasil perdeu aqueles 20 a 30 bilhões de dólares segurando o real e, com isso, garantiu a reeleição do FHC, é que os economistas mostram sinais de vida inteligente. Claro que a eleição não teve nada a ver com isso? Ou vocês acham que o FHC ia sacrificar bilhões do país só para ganhar uma eleição? Se vocês pensam assim, vocês são muito maus. É difícil ver a luz no fim do túnel através desse nevoeiro de erros. É ridículo, depois de todo este tempo atraindo capital especulativo, Armínio Franco declarar na semana passada, com ar de quem descobriu a lei da oferta e da procura, que é fundamental criar mecanismos para evitar que o capital especulativo abandone o país repentinamente e nos deixe com as calças na mão. Que grande descoberta! Não é incrível? Haja ciência econômica para tolerar tanta enrolação. - Ernesto Friedman - |
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