O mal necessário

Os gays já não são como antigamente. Eles já foram perseguidos nas ruas. Todos eram Genis, massacrados pelos machos que exerciam a psicanalítica negação da outra possibilidade sexual. (Forte, esta última frase, não foi?) Os veados foram rebeldes e ousados. Forçaram a sociedade a aceitá-los e respeitá-los. Passaram por tantas barreiras. Foram os primeiros alvos da Aids, que parecia uma praga encomendada para exterminar os eternos diferentes, os homossexuais. Mas o tempo passa e a caravana para, vira acampamento e, com o tempo, um vilarejo conservador. Hoje, a Aids contamina mais as mulheres e as batalhas dos homo são outras. Eles e elas querem o direito de se acasalar legalmente. De terem pensões ou heranças no caso da morte dos parceiros. De servirem nas Forças Armadas. De fazerem cruzeiros no Caribe enchendo o navio só de gays. Sabe-se lá onde essa rapaziada quer chegar!

E a eterna luta pela normalidade? O homossexual hoje tem que se mostrar o mais normal (opa!) possível. Outro dia, um político americano declarou que é gay, mas é católico fervoroso. Só faltou dizer que era uma beata. Interessante a contemporização política! O sujeito diz que é a favor de uma religião que encara sua sexualidade como doença, como perversão. Isso é pragmatismo. Mas a coisa está mais estranha ainda. A revista Veja publicou recentemente matéria sobre os gays que conseguiram voltar a ser heterossexuais. Que vitória hercúlea! Notem que esta era uma das máximas da sabedoria popular: "cuidado para não dar, por que quem dá uma vez, não para mais!" Não é que agora estão propondo resgatar os gays. Salvá-los! Com muita reza, calmante, uma lobotomia aqui, outra ali, e o sujeito, que tinha caído na sacanagem, digo, na perdição, pode voltar ao seio da sociedade e, eventualmente, ao de alguma mulher.

Essa coisa de mudar escolhas sexuais dos indivíduos (e indivíduas) é simplesmente repugnante. Quando um psiquiatra diz (sic Veja) que conseguiu "converter" 300.000 pessoas sem "recaídas" e usando "aconselhamento teológico", fico arrepiado. Já imaginou o sujeito perturbado, acuado pela culpa que a sociedade lhe incute, e um idiota doutrinando que aquilo não é defeito dele, que é o demônio que está lá dentro, que Jesus o ama, que ele deve rezar para não ter tesão no paraíba da obra em frente. Haja saco! Este tipo de tratamento, na base da lavagem cerebral, nos remete a uma masmorra da Idade Média, os doentes sendo esticados na roda espanhola. É claro que estes métodos de cura funcionam melhor numa sociedade puritana e cretina como a americana. Pelo menos os brasileiros são mais relaxados neste aspecto. Entretanto, não devemos esquecer que, ligando a televisão nos canais das religiões comerciais nacionais, a gente vê pastores tirando o diabo do corpo de gente e, até, homossexuais sendo curados. É mole?

Veadagem foi equiparada à nicotina. Um convertido dessas extirpações do mal, diz na matéria da Veja: "Ninguém nasce homossexual e qualquer um pode largar este vício." Tão vendo, agora é um vício. Olha, se é para tratar a sexualidade alheia com essas babaquices, eu prefiro a abordagem daquele livro polêmico: "Os mil traumas que levam o homem a ser heterossexual." Não li, mas deve ser mais sério que estes exorcistas da bichice que viram notícia em revistas semanais.

- Ernesto Friedman -

 
 

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18maio2001
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