Filme: Eu, Tu, Eles, Andrucha Wadington
cinema
Eu, Tu, Eles
Arrebatador
Houve um carnaval na Sapucaí em que Gilberto Gil era um dos convidados vips. Ele, assistindo o desfile, era figura obrigatória para ser entrevistado. Perante a pergunta inevitável: O que achava do desfile das escolas de samba? Gil, com seu baianês arrastado, dizia: é arrebatador! Arrebatador! Declarada (ou declamada) pelo poeta baiano, a palavra ganhava força para transmitir a grandiosidade da nossa festa mundana. Pois o belo filme de Andrucha Wadington: Eu, Tu, Eles, também merece o adjetivo: Arrebatador! A propósito, o filme é aberto por Gil interpretando a maravilhosa canção "O amor daqui de casa".
Andrucha acertou. O grupo Conspiração traz uma produção bem cuidada que permite ao diretor ser discreto sem necessitar ser pobre. O filme é minimalista e isso é adequado porque no Nordeste as pessoas não possuem nenhum excesso além da vontade de subsistir. Com imagens bem cuidadas, alguns achados de fotografia, uma ótima direção de atores, Eu, Tu, Eles é cinema para agradar aos mais diversos gostos e leituras.
Pode-se dizer que o filme é sobre uma mulher e sua difícil vida no sertão nordestino. A aridez da terra, a folhagem pouca, as pessoas precocemente enrugadas, são mostradas com reverência. A fotografia aproveita o nascente e poente para obter belos tons do vermelho que esturrica o solo e a pele daquela gente. Regina Casé faz uma Darlene que oscila entre o trágico, o esperto, o sensual e, até, o engraçado. Pelo menos, em um momento antológico, contracenando com Stênio Garcia, após Darlene entregar seu filho para o pai criar, Regina transborda de emoção e é difícil pra gente fugir às lágrimas. Por falar em Stênio Garcia, o trio formado por ele, Lima Duarte e Regina Casé dá um show, alternando-se no brilho, construindo seus personagens e o preciso jogo de concessões em que eles se enredam.
Mas o mais bonito de Eu, Tu, Eles acaba por ficar encoberto pelos ótimos atores e a leitura imediata da "vitória" de Darlene, símbolo da mulher que domina os cabras machos. A excelência de Eu, Tu, Eles está na evolução da relação entre quatro pessoas, no pouco de seus recursos, lutando para construir a vida no limite do viável. Seja um pequeno pedaço de terra, seja a sexualidade feminina, ou a capacidade de cuidar da cozinha ou, apenas, a juventude, tudo é negociado na mesa da vida buscando conseguir ultrapassar mais um dia de sobrevivência miserável. Uma bela cena, no final do filme, em um enquadramento do alto, retrata a dependência criada entre os quatro personagens, já, então, devidamente amarrados pelos vínculos registrados em cartório.
Arrebatador.
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