Traffic Traffic

Tráfico, Drogas e Cinema

Recentemente, amigos estrangeiros (não eram gringos, eram chilenos e venezuelanos) foram passear pelo Centro do Rio. Explorando a região da Lapa, com seus arcos e os caminhos que levam à Santa Teresa, se perderam nas ruelas do bairro. Subindo uma rua, chegaram ao seu final e se depararam com dois homens, como dizem os jornais, fortemente armados, portando pistolas e fuzis "privativos das forças armadas". Haviam avançado demais, chegaram à fronteira do Brasil com o território do tráfico. Como bons funcionários, os seguranças dos traficantes identificaram os estrangeiros perdidos e os orientaram a retornar dali. Um primor de relações públicas internacionais, pois não?

Os brasileiros, como os turistas latinos descobriram, estão habituados ao contato com traficantes. Vira e mexe somos expostos a estas experiências. Assim, quando nos deparamos com um filme como Traffic, sentimos um gostinho de ingenuidade no enredo. Fica, para nós, o gosto amargo de quem sabe mais sobre o assunto porque sente na pele o que é viver perto do problema.

O novo filme do paparicado Steven Soderbergh, agraciado com alguns Oscars, é quase um documentário – a câmara trêmula enfatiza esta proposta – com objetivos didáticos sobre o problema do vício e do gigantesco negócio "traficar e vender drogas". O roteiro usa uma colcha de retalhos de personagens e histórias para retratar as inúmeras facetas do problema. Oferece muita informação, as vezes, de difícil digestão. A figura do policial mexicano Javier Rodriguez Rodriguez, por exemplo, que valeu um Oscar para Benicio Del Toro, é controversa. Ao final do filme, cabe uma pergunta: ele é bom ou mau? Fica difícil definir. Mas, por outro lado, talvez esse seja uma das mensagens de Traffic: não existem bons e maus quando se trata do tema drogas! Um policial que ganha 300 dólares por mês não tem como rejeitar o assédio de organizações que manipulam bilhões de dólares por ano. Um juiz alcoólatra e sua esposa que experimentou maconha na universidade não são maus pais, mas não conseguem avaliar e agir em relação à filha viciada em crack. A dondoca acostumada ao luxo, proporcionado pelo marido, que ela ignora ser traficante, percebe rapidamente a oportunidade de virar bandido, assumir os negócios e continuar rica. Quem é o bandido? Quem é o mocinho?

A necessidade de ser didático exige algumas simplificações dos personagens. O paradoxo entre a trajetória terrível da adolescente perfeita, filha de juiz, que se vicia rapidamente – caso típico do crack – muito bem interpretada por Erika Christensen, é contrabalançada pela pouco razoável reação dos pais. Para quem vai ser o czar anti-drogas nos EUA, o juiz fica um pouco ridículo tentando achar a filha procurando-a solitário nas "bocas" do tráfico. Ainda mais com a fraca interpretação padrão que Michael Douglas oferece a seu personagem.

Talvez seja assim mesmo. A classe média americana, na sua vida de luxo e consumo, não consegue perceber a complexidade das drogas. Soderbergh tenta acordá-los. De qualquer maneira, mostrar o México sujinho, diferenciado do asséptico EUA por uma fotografia amarelada, apesar de bonita e "muderna", ainda cheira ao velho preconceito contra os chicanos. Vocês lembram como a Turquia foi retratada no filme Expresso da Meia-noite? Bem, pelo menos, Traffic, apesar de polarizar a geografia da droga entre EUA e México (e onde ficam Colômbia e Brasil?), destaca a importância do consumidor americano, que é o grande gerador da demanda por drogas. "Enquanto houver demanda, não resolveremos o problema." diz um sábio deputado americano, com seu copo whisky legalizado na mão.

cotação:    

- Ernesto Friedman - 


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10abril2001
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