As Invasões Bárbaras Les Invasions Barbares 

desilusão e pedaços humanos

- tirésias da silva -


cotação:  

Invasões Bárbaras é para ser visto. Grandes coisas! – diriam vocês. Filme é para isso mesmo. Ou alguém acha que é para ser cheirado, mastigado, apalpado? Bem, deixando um pouco de lado o que fazer com o cinema, eu recomendo Invasões. É um filme de diretor. Denys Arcand escreve e dirige estas Invasões Bárbaras, dando continuidade ao Declínio do Império Americano (1986). O filme mostra as mudanças que chegam e atropelam as expectativas seguras dos humanos, no caso, a segurança prepotente dos intelectuais que buscam "entender" e explicar nosso mundo com seus belos modelos: marxismo, maoísmo, comunismo e, por que não?, cinismo. Arcand parte da situação do professor aposentado Rémy que vive seus últimos dias em virtude de um câncer terminal. Fugindo ao caráter mórbido da situação, Arcand cria uma despedida confortável para o velho professor. É de dar inveja. Se temos que morrer, a forma mostrada é ótima opção. Arcand usa estes últimos momentos da vida de Rémy, junto com antigos amigos e amantes, para desenhar um caleidoscópio de personalidades e emoções. Uma escolha esperta. Não há homogeneidade na profundidade da descrição de cada personagem. Estes parecem veículos para nos exibir atitudes, emoções humanas e detalhes sociais pinçados desse tubo de ensaio de 99 minutos onde o diretor fertiliza seu caldo de cultura. As ações e palavras de uma enfermeira, ou uma freira ou, mesmo, a nobreza da atitude de uma ex-aluna que vem ver o antigo professor, mostram algumas possibilidades dos humanos, sempre cheios de dúvidas, mas que têm oportunidade de mostrarem alguma distinção em relação aos outros animais e vegetais do planeta. Como nós, os comuns espectadores, também nos deparamos e tomamos parte diariamente em situações e emoções semelhantes, tendemos a nos identificar com momentos do filme e é comum irmos às lágrimas. Este traço do filme deve ser um dos fatores principais para a empatia do público, que já fez de Invasões um cult no Brasil.

Denys Arcand, também diretor do excelente Amor e Restos Humanos (1993), não é dado a oferecer saídas para a humanidade. Sua crueza com as pessoas e sistemas deixam saudável mal-estar ao final de seus filmes. Pelo menos, não somos enganados pelos costumeiros happy ends em que o mercado cinematográfico é pródigo. A verborragia do velho professor que está morrendo é a voz de Arcand. Ele expressa o fracasso geral dos ambiciosos intelectuais. Arcand apresenta um conjunto de professores terminais enumerando suas desilusões e comentando suas soluções sexuais. Temos a promiscuidade de Rémy, o homossexualismo de outro professor e a busca da mulher mais jovem de um terceiro. Por simetria, Arcand também apresenta três mulheres: a esposa traída, tolerante no derradeiro momento do marido, e duas amantes, uma que abandonou o sexo e a outra que desencava um cowboy para entretê-la. Estes dinossauros são "os velhos" do filme.

Arcand desenvolve uma tese interessante em seu filme: que as drogas podem ser usadas para o bem. Ele trata drogas em geral. Os elementos para esta proposta são o filho bem sucedido mercado de valores, viciado no dinheiro, e que o usa para dar um último conforto ao pai. A outra droga é ilegal mesmo: a heroína, esta, de aplicação mais direta, pelas mãos de uma jovem viciada, vem confortar o pai, retirando-lhe a dor provocada pelo câncer. Estes são "os jovens" do filme. Aqueles que não entendem o discurso erudito dos professores, mas são quem move a roda dos acontecimentos, pois os "velhos" já saíram de cena.

O relacionamento pai e filho, aparentemente o tema principal, é bloqueado até o fim do filme, e tem desenlace quase burocrático. Achei o personagem do filho Sébastien um ponto fraco do filme. Sua expressão facial é um tanto botoxmizada para o momento que ele passa. Por que o filho move seu farto dinheiro para prover uma boa morte ao pai? Os cuidados que tem para com o pai parecem ser conduzidos como mais uma operação de swap de sua atividade de corretor de valores. Seria mais um favor a mãe eternamente traída? Ou é a ponte estendida para alcançar o pai distante? Fica para cada um ler a sua maneira e se emocionar do seu jeito.

Bonita é a personagem de Nathalie, interpretada por Marie-Jozé Croze, que ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes 2003 por sua interpretação: uma viciada em heroína que anestesia as dores do câncer nos últimos dias da vida de Rémy - bonita até demais, perdoem-me o preconceito, mas como pode uma drogada ser tão bela? - é responsável pela cena síntese das impossibilidades cultuadas pelo autor. Seu beijo no filho do professor, no final do filme, é um afrodisíaco, mistura de desejo, amor e renúncia. Uma pena, nós todos, lobotomizados por Hollywood, queríamos um final feliz para o casal.

O retrato de Arcand nos exibe é cheio de paradoxos. Ele é implacável com a venalidade da burocracia e dos famosos "sindicatos" (que parece são poderosos no Canadá, onde se passa o filme), ao mesmo tempo que mostra a frieza da tecnologia com poderes de estreitar as pessoas e causar emoção. O dinheiro perverso do capital é o agente provedor de toda a situação ideal preparada pelo filho para dar conforto ao pai em sua morte. A droga, no caso, a heroína, pode ser usada por amor. A drogada é bela e sensata. A mulher traída é compreensiva. Ao final, sua proposta fica clara, juntando tudo ele nos propõe que nada é obviamente razoável ou totalmente errado. Se é certo isso que entendi, é uma boa proposição.


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23novembro2003
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