Filme: O Jardineiro Fiel, Fernando Meirelles


 
 

cinema

O Jardineiro Fiel The Constant Gardner

a áfrica chama atenção do cinema

- ernesto friedman -

Boa estréia de Fernando Meirelles no cinemão internacional. O diretor de Cidade de Deus, conforme ele mesmo comenta, pegou este projeto enquanto trabalha em outro filme. Foi um filme "por encomenda". Os produtores estavam testando o diretor para saber se Cidade de Deus foi sorte de principiante ou o cara é bom mesmo. O brasileiro passou no teste. Em entrevista na tevê para Marilia Gabriela, ele afirma que O Jardineiro Fiel está rendendo mais 30% do que era esperado. Como business is business, Meirelles mostrou que dá lucro e está aprovado para trabalhar na linha de frente do cinema mundial. Ainda mais que a indústria cinematográfica precisa de sangue novo para melhorar o faturamento, que anda caindo. Depois do resultado conservador de Walter Salles, em Dark Water, Meirelles assume o papel do representante número um do cinema brasileiro no circuito internacional.

O principal personagem de O Jardineiro Fiel é a África, que vem ganhando espaço no cinema em virtude de suas disparidades políticas e sociais. Este continente parece um esquecido planeta vizinho. É um fim de mundo pouco e mal falado, onde a miséria atinge níveis de difícil compreensão. A política apresenta guerras tribais, genocídios e ditaduras radicais. A saúde, extremamente precária, é simbolizada pela Aids, que mata com tétrica regularidade. Desatenta e vaidosa, a natureza ainda surpreende naquelas bandas pela inusitada beleza. O continente esquecido oferece a plasticidade desejada para heroísmos e outras histórias grandiosas. O capitalismo cinematográfico não pode deixar de lado esta fonte. A África, sua dor e tragédia, deve ser devidamente absorvida e explorada. Tome-se uma história que instigue nossa indignação e repugnância contra a injustiça do mundo e temos bom produto para vender. É o caso de O Jardineiro Fiel. Depois de ver o filme, ficamos impactados por algumas horas, argumentamos vigorosamente contra a injustiça do mundo, enquanto tomamos o chope que se segue ao cinema. Depois de aplacar nossa volátil consciência, podemos dormir tranqüilos. A propósito, o Jardineiro Fiel tem começo inusitado, seu início é um anúncio de organização governamental que atua na África, sem dúvida uma solução nova para a magnitude do problema africano. Mas estou falando da África e esqueci o filme...

O jardineiro do título é o condutor da história. Depois da morte de sua mulher Tessa (Rachel Weisz), o diplomata inglês Justin Quayle (Ralph Fiennes), busca descobrir as causas do assassinato da esposa, cuja versão oficial direcionava para um crime passional acobertado. Justin se lança numa odisséia buscando saber os motivos da morte de sua esposa. A apresentação da morte de Tessa já no começo do filme dá emoção às imagens que vemos dela em vida. Tirado do livro de John le Carré, o contraste entre a dinâmica e idealista Tessa, lutando na miséria africana contra os interesses dos laboratórios farmacêuticos, e o ausente diplomata Justin, dedicado à jardinagem, cria a tensão perfeita para a história. O personagem de Fiennes poderia ser retratado com mais detalhe, destacando sua rotina de atenção às plantas, enquanto o mundo se desagrega nas vizinhas favelas africanas. Seu escapismo do problema africano é mais ou menos como a displicência do carioca preocupado em escolher o vinho para o jantar enquanto se esquiva das balas perdidas que vêm da favela mais próxima? Nós aqui, no cultivo de nosso jardim cinematográfico, dizemos que o filme surpreende e agrada.

Meirelles deita e rola no roteiro de Jeffrey Caine, que, a propósito, cede à fraqueza de apresentar os personagens como bons e maus. O lorde inglês, desmascarado em público no final do filme, parece um pouco caricato. Entretanto, para quem anda vendo depoimentos nas CPIs do Mensalão, dá pra acreditar que tem canalha de todo tipo nesse mundo. A direção de atores de Meirelles é muito boa. Rachel Weisz e Fiennes rendem bem. (Nota: Ela ganhou o Oscar de atriz coadjuvante.) O diretor exibe virtuosismo na construção de imagens. Mistura mídias, usa webcans, se aproveita das paisagens grandiosas, surpreende no estilo instável. O diretor brasileiro teve a vantagem de saber com antecedência o que é uma favela, mesmo que as do Quênia sejam um pouco pior que as nossas. Meirelles marca com sua criatividade e tem vários bons momentos. Gostei de uma bela imagem de despedida na pista do aeroporto: apenas com a abertura da objetiva, cria o efeito exato para uma despedida. Meirelles deve ter gostado também, porque repete a cena. E é aquela coisa, como o diretor é brasileiro, aparece um moleque africano com a camisa da seleção brasileira e, na trilha sonora, aparece uma música em português (“Só sei viver no samba”). É o imperialismo da cultura tupiniquim que avança no mundo. Não vale a pena ficar falando (ou escrevendo) muito. Vale a pena é ver o filme. Se tiver algum tempo, ou dinheiro, uma ajudazinha à velha África também fica bem na foto.


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02novembro2005
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