OS NOVOS DONOS DA DEMOCRACIA

Marcelo Dawalibi
colaborador

O movimento pacifista antes era rotulado de ingênuo: os pacifistas eram tolos que acreditavam nas encenações de Saddan Hussein.

Mas parece que as previsões dos ingênuos estão sendo confirmadas pela realidade. A operação de "libertação" do povo iraquiano soa como um escárnio: centenas de civis inocentes já foram "libertados" de suas vidas miseráveis passando a outra melhor, e portanto não poderão testemunhar o novo Iraque democrático idealizado por Bush. Soldados americanos e ingleses também têm tombado, e ao que tudo indica a resistência iraquiana é bem maior do que supunham os brilhantes estrategistas da Casa Branca. Estes, que não são ingênuos, estão surpresos por não contarem com o apoio da população iraquiana à invasão de seu país miserável. Ou seja, essa guerra está se desenrolando exatamente como previam os ingênuos: cruel, custosa, sangrenta e devastadora. Por isso, é até compreensível a irritação de Bush quando indagado sobre a duração da guerra: ela durará "o quanto tiver que durar", respondeu o bravo texano, pois não deve satisfação alguma ao povo americano. A este cabe apenas financiar a guerra com seus impostos, não sendo de sua conta os resultados.

Pois bem: removida a máscara da guerra "rápida e inteligente", os defensores do conflito agora dão novo contorno à discussão: o movimento pacifista está sendo manipulado por "esquerdistas". Assim eu, que por contrário ao conflito no Iraque antes era ingênuo, fui agora compulsoriamente alistado na legião de defensores de Fidel Castro. E dessa forma, à minha revelia, passei a ter o dever de defender Fidel, Stalin, os sandinistas e todos os outros ditadores ou regimes totalitários que existiram ou que ainda existem.

Se esse argumento fosse levado às últimas conseqüências, parece-me que seria lógico dizer que os "direitistas" necessariamente defenderiam Hitler, Pinochet e Fulgêncio Batista, o "democrata" antecessor de Fidel Castro que estranhamente é esquecido toda a vez que se fala no atual ditador cubano. Todos foram ditadores ligados ideologicamente à "direita", e portanto deveriam, por essa mesma lógica, ter o apoio dos "direitistas".

E disso nasce um paradoxo: Jacques Chirac é da "direita" francesa, e está contra a guerra. "Ah, mas ele tem interesses econômicos", dirão os americanófilos. Bem, desculpem-me, mas suas razões são tão sinceras quanto as de Bush. E poderíamos ainda cobrar de Tony Blair coerência e exigir que ele seja contra a guerra. Afinal, o seu Partido Trabalhista é de centro-esquerda na Inglaterra.

Como se vê, é falaciosa a relação que está sendo feita entre posições contra e a favor da guerra e eventuais embates entre "direita e esquerda". Os que quiserem defender a guerra, que o façam mostrando as suas vantagens. Mas por favor, prezados colegas da direita pró-guerra: poupem-me dessa conversa de que "a democracia é nossa". Não tentem se apoderar do regime democrático, pois ele não é sua propriedade exclusiva.

Quanto a mim, permitam-me, se não for pedir demais, ser contra a guerra sem ter que defender Fidel Castro. Este é um ditador decrépito que merece meu repúdio; aquela é uma barbárie insana pela qual todo o mundo pagará. Deixem-me aqui, no meu pacifismo ingênuo. Não faço mal a ninguém.


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07abril2003
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