O Rio Ficou Pequeno

A saudosismo, quase sempre, é muito chato. Mas, sempre chega o dia em que quem tem memória e tem passado experimenta a sensação de que já houve tempos melhores. É o caso: o Rio já foi melhor. Se eu for rigoroso na avaliação, só verei as coisas piorando. Vocês devem achar que é babaquice de velho. Deve ser mesmo. O fato é que a população cresceu, a renda não aumentou e o espaço físico do Rio é limitado. Como resultado disso, restou uma horda de sem empregos, sem teto, sem ter o que fazer, ocupando cada marquise, cada jardim público ou bocado de areia de praia que der bobeira. Pera aí! Este artigo não é um libelo nazista preparando a proposta de exterminar os mendigos jogando querosene neles e ateando fogo. Na realidade, meu alvo são os ricos, os espertos. Quem está tornando o Rio pequeno é a elite, esta entidade que, ao sul do Equador, é sinônimo de horda de medíocres tirando proveito de tudo que lhes aparece a frente. São como gafanhotos, predando e depredando tudo que lhes cai nas mãos. Só quero falar do mau uso do espaço da cidade. Um exemplo: a praia do Rio. Antes era um lugar para se contemplar a dinâmica do nada fazer. A praia já foi lugar sagrado, com práticas ritualísticas, onde se assistia contrito a evolução mínima do tamanho e desenho dos biquínis das meninas. Os esportes como o vôlei, o futebol de areia, o colaborativo frescobol e o surf davam a dimensão da agitação na beira do oceano. Agora, tudo se profissionalizou, mercantilizou e se vendeu. Grandes arenas, pra vôlei, pra futebol, pra shows, ocupam e transformam a terra santificada. Um sacrilégio.

Existem outras frentes de ocupação do espaço da cidade. Os restaurantes crescem e transbordam por sobre as calçadas. São quiosques, que proliferam com suas cadeiras de plástico. São os restaurantes mais finos (vide Pax Delicia e Alexandre e Frederico) que legalizam e transformam seu avançadinhos em área fixa. A propósito, uma das mais recentes e pouco falada ocupação de calçada foi o crescimento intempestivo do Azul Marinho, bar de um hotel do Arpoador, que perdeu a vergonha e colocou suas mesas e cadeiras (estas de metal, que o lugar é fino) na famosa calçada junto ao mar. Ficou até bonitinho. O problema é saber se vale tudo. Qualquer um pode tomar posse do metro quadrado da cidade a seu bel prazer?

A área de lazer criada na orla pelo fechamento, nos fins de semana, ao trânsito de automóveis, mobilizou os bárbaros para ocupar o espaço. Tem de tudo: massagista, carrocinha de churrasquinho, conjunto de jazz, conjunto de samba, maluco recitando religião, o Pelé equilibrista do futebol, estátuas prateadas e douradas, teatrinho de bonecos. A orla é grande, mas o bando que chega é numeroso e empreendedor. Aquilo tá uma zona! E olha que é a galinha dos ovos de ouro do turismo no Rio. A calçada de Ipanema devia ser tombada e estatizada, quero dizer, não podia haver nenhuma iniciativa privada nesta área, o lugar se destinaria apenas à prática do direito de ir e vir, com a concessão da interrupção do movimento para tomar chope ou água de côco. Qualquer outro negócio, evento ou performance, poderia ser realizado em estandes gratuitos disponibilizados pela prefeitura ... no RioCentro.

Dos vírus que se expandem tomando conta da cidade, os italianos dos jornaleiros são os mais agressivos e proliferantes. Notaram como as bancas de jornais vêm crescendo de tamanho e diversificando seus produtos. A calçada da mais importante via do centro, a Avenida Rio Branco, é estrangulada a cada 50 metros por uma banca de jornal que, além de ocupar mais da metade da largura da calçada, ainda tem a cretinice de ocupar mais espaço com caixas de produtos como doces e refrigerantes. Outorgo aos jornaleiros do Rio o troféu destaque do fenômeno Esculhambação Carioca.

- Tiresias da Silva -


envie este artigo a um amigo

envie agora seu comentário sobre este artigo

veja outros artigos da seção extra

homepage Polemikos

15maio2005
Copyright © [Polemikos]. Todos os direitos reservados.