O Dia Amargo da Mulher

prosa poesia de nossa colaboradora Eugenia Corazon

Ainda que meu corpo pecador seja molestado desde a puberdade. Que no norte do Brasil eu seja leiloada para o prazer dos coronéis. Que meu corpo seja exibido como suculento presunto. Que eu faça sexo pelos cantos para poder comer. Que a baba do desejo dos homens escorra do canto de suas bocas para meus seios. Que o passeio no meu corpo seja o turismo do estrangeiro que vem ao Brasil.

Ainda que meu canto de tristeza não seja ouvido. Que meu homossexualismo seja pecaminoso e perseguido. Que a canção do meu amor tenha que ser sussurrada para minha amada. Que eu seja surrada até a morte por amá-la.

Ainda que meu corpo não seja meu. Que me mandem ter filhos que não quero ter. Que me neguem o aborto e me mantenham a bordo dessa nau de loucos.

Ainda que me concedam o status de consumidora. Que me paguem menos que aos homens. Que eu dê minhas forças ao marido explorado quando ele volta ao lar. Que meu marido mui generosamente me transmita a Aids.

Ainda que minha revolta seja loucura. Que minha loucura seja feitiçaria. Que a fogueira esteja sempre pronta para curar minha tensão pré-menstrual.

Ainda que minha cordialidade seja tomada por submissão. Que meus direitos sejam tidos como atrevimento. Que eu seja a mais negra. Que eu seja a mais pobre.

Ainda assim eu resisto. Eu sorrio. E meu sorriso é o mais forte e radiante brilho desse pequeno universo.



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09março2000
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