- Tirésias da Silva - Lembrando Sidney Perdemos Sidney. Como brasileiro de classe média (ele me recriminaria por essa classificação!), quando não se morre de doença do coração, vamos mesmo de morte violenta. Os estatísticos, quando dizem violentas, se referem às balas perdidas e acidente de carro. Com Sidney, foi este último. Enfim, ficamos um pouco mais sozinhos. Ele não nos surpreenderá mais com suas tiradas, seu sarcasmo, sua crítica cortante, em que era especialista. Infelizmente, não aceitou convite para escrever no nosso pretensioso pasquim da internet. Sua biografia escapou dessa mácula. Polemikos perdeu. Suas posições radicais eram polêmicas e ficarão como referência. Sidney certamente aceitaria orgulhoso o cognome: "um homem fora da realidade de hoje", que sintetizaria sua rejeição às modernas competições selvagens, liberalismos e globalizações. Com sua partida, vai mais um sonhador do Socialismo, que enobreceria o homem e tornaria mais prazerosa sua existência. Como vêem, no contexto do mundo e, particularmente, do Brasil de hoje, era um dinossauro com propostas fora de moda. Mais um mérito para ele. O tempo é mestre em nos dar a perspectiva sobre os fatos e pessoas. Quando estas teimam em nos deixar bruscamente, nossa capacidade de avaliá-las fica mais equilibrada. A distância favorece desprezarmos os pequenos erros, para valorizarmos o "conjunto da obra". E o saldo de vida de Sidney foi largamente positivo. Alguns diriam que é apenas condescendência humana com aqueles de quem gostamos. Talvez seja mesmo. Que posso fazer? Gostávamos dele. Sidney deixa saudade. Trazemos abaixo um texto de Bertrand Russel (The Autobiography, Prologue). Muito da angústia e do sonho de vida de Sidney aparece ali. Estava escrito ao pé do texto: A tradução, livre, é minha; qualquer falha peço perdoar e apontar, livremente. Sidney "Três paixões, simples mas irresistivelmente fortes, tem governado a minha vida: a ânsia de amar, a busca do conhecimento e uma insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como fortes ventos, têm me impelido de um lado para o outro, num caminho caprichoso, por sobre um profundo oceano de angústias, que chega às raias do desespero. Procurei o amor, primeiro, porque ele trás êxtase – êxtase tão imenso que eu ofereceria todo o resto da minha vida em troca de umas poucas horas desse prazer. Eu o procurei, também, porque ele ameniza a solidão – aquela terrível solidão na qual uma consciência em pedaços se paralisa nas franjas do mundo num insondável abismo frio e sem vida. Eu o busquei, finalmente, porque na união do amor eu vislumbrei, em mística miniatura, a suposta visão do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isto foi o que procurei, e embora possa parecer demasiado bom para a vida humana, foi o que – finalmente – eu encontrei. Com a mesma compaixão busquei o conhecimento. Desejei entender os corações dos homens. Eu quis saber porque as estrelas brilham. E tentei apreender o poder pitagórico que faz com que um número flutue por sobre o fluxo. Um pouco disso, não muito, eu consegui. Amor e conhecimento, tanto quanto foi possível, elevaram-me em direção aos paraísos. Mas a compaixão sempre me trouxe de volta ao chão. Ecos de gritos e de dor reverberam no meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desassistidos como um odioso fardo para seus filhos, e o mundo inteiro de solidão, miséria e sofrimento, fazem um arremedo do que a vida humana deveria ser. Eu desejo minorar o mal, mas não posso, e sofro também. Esta tem sido a minha vida. Eu a entendo como uma vida digna, e prazerosamente a viveria outra vez se uma oportunidade me fosse dada." envie agora seu comentário sobre este artigo veja outros artigos da seção extra 25abril2001 |