O direito alternativo e a segurança jurídica

- Ana Paula Pitta de Moura -
colaboradora

Existe uma corrente de juristas que vêm defendendo há algum tempo o chamado "direito alternativo". Trata-se de um pensamento difundido mundo afora, que procura aplicar a justiça da maneira mais justa possível, por mais redundante que isso possa parecer. Os seguidores desta corrente aplicam aos casos concretos soluções não apenas não previstas em lei, mas muitas vezes
até contrárias ao ordenamento jurídico vigente.

No Brasil, o grande celeiro desta corrente alternativa é o estado do Rio Grande do Sul. É lá que se mais se estuda e se difunde esta vertente jurídica tão polêmica, e também de onde vêm os maiores ecos defensores de sua aplicação. No Rio Grande do Sul, os juristas, operadores e estudiosos do
direito já estão acostumados com as decisões judicias mais inovadoras e mais esdrúxulas proferidas em nosso país. Em diversas matérias, os magistrados gaúchos tomam a frente ao decidir de maneira moderna, arrojada, e em conformidade com as mais recentes aspirações da sociedade, mesmo que isso implique em se tomar decisões que não se encontram expressamente previstas em nenhum diploma legal brasileiro. A partir daí, surge muitas vezes o esboço de novas leis necessárias ou bastante úteis à população, ainda que algumas vezes contrárias aos meios mais conservadores. A partir de uma única decisão pioneira, os Tribunais de todo o país muitas vezes refletem, debatem, e por fim se direcionam no mesmo sentido inovador, o que por sua vez gera reflexões e debates também por parte de toda a sociedade e do Poder Legislativo, culminando o processo em uma renovação legal, em alguns casos muitíssimo importante em uma sociedade de relações extremamente dinâmicas.
Entretanto, o problema que existe com a aplicação do direito alternativo é que existem alguns juízes, seus defensores mais radicais, que vêm inclusive decidindo de forma frontalmente contrária ao ordenamento positivo. Nesse caso, agem como se fossem verdadeiros "donos" da lei, criando situações nas quais a observância dos preceitos legais instituídos é totalmente ignorada, sob o argumento de estarem aplicando a verdadeira justiça. Nesses casos, o que ocorre é um total desrespeito ao Estado Democrático de Direito, pois é óbvio que o magistrado tem que se ater ao que diz a lei aplicável ao caso concreto sob seu exame. Não pode, sob pretexto de que a lei não traduz a solução mais justa, determinar solução que lhe seja contrária.

É verdade que as leis são falhas, até porque são feitas por homens, criaturas falhas por natureza. Mas é preciso que sejam aperfeiçoadas segundo os procedimentos previstos no ordenamento jurídico, sob pena de se jogar no lixo a segurança jurídica, instituto que demandou séculos de lutas para chegar à sua forma atual, e que precisa ser respeitado se quizermos manter e desenvolver, corrigindo suas imperfeições, o Estado como é hoje concebido. Do contrário, iremos retroceder a uma forma cada vez mais anárquica de governo, o que já se provou ineficaz e ás vezes sanguinário e injusto. Infelizmente, os alternativistas radicais enxergam o jusnaturalismo de maneira desvirtuada. Não se deve pensar, em uma sociedade legalmente constituída, que o título de juiz dá ao indivíduo poderes supremos, de julgar somente conforme a sua própria consciência, quando existe todo um
sistema normativo a direcionar as decisões judiciais, em nome de um valor maior para a sociedade: a segurança jurídica. A idéia de que se está fazendo a mais acertada justiça é enganadora, até porque o conceito daquilo que é justo varia de pessoa para pessoa. Assim, se cada juiz emitir uma decisão atribuindo novos critérios, novas penas, novos pesos e medidas a uma mesma situação, teremos uma verdadeira babel jurídica, e será sacrificado um dos bens mais preciosos do Estado Democrático de Direito e mais caros à sociedade: a segurança jurídica.

Quando a lei apresenta lacunas, o julgador deve observar outras fontes de direito, tais como a analogia, os costumes e princípios gerais de direito. Nesses casos, é possível que o magistrado traga à baila decisões novas, adaptando a legislação existente ao caso concreto, o que é não apenas louvável, mas também necessário, já que não pode se furtar do dever de julgar. O direito alternativo pode ser aí aplicado, como também nos casos em que o juiz exara uma decisão não convencional, inovadora, mas em plena conformidade com o ordenamento jurídico. Já que o magistrado tem a livre condução do processo e a liberdade de formação do seu convencimento, pode chegar a uma sentença não muito comum, mas que esteja de acordo com suas convicções e que acredite atender melhor ao caso, desde que esta decisão não vá de encontro ao ordenamento positivo, interpretado da maneira mais ampla possível. O que não pode ser tolerado é que sejam válidas decisões absolutamente desconformes com a legislação em vigor.

O grande mérito e o maior objetivo do direito alternativo é a aplicação de uma justiça incisiva, verdadeira, concreta. Mas será que pode ser realmente feita a justiça, sem a preservação da segurança jurídica?


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01maio2001
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