Inerte ebulição


É um arremedo de poesia que toma o indivíduo de repente, e o repentista, repetidor aliterado,  arrebatado, desencadeia um jorrão de sentimentos que assombram. Assim foi com Sebastião Agridoce, que deslumbrado com as emoções que se esvaem, declinou estas palavras presunçosas. Quedamos perplexos e a ele relegamos apertado amplexo, enquanto passamos suas falas e queixumes ao tolerante  html. Regozijem-se, voluptuosamente, 
caros leitores.

Este ser contido e casto que se acantona traz no seio a mágoa declarada da recusa. Saudade do navegar visto de eterno porto, de memórias do futuro improvável, de cálidas meretrizes, que a alma sonhadora aventureira e infanta visita, e cujas nudezes repousam intocáveis. Tenro caminho de rua, que me fascina e de que me privo. Enquanto canto o troféu do jargão dourado, solto a voz calada em letras e, afivelado, sinto a falta que carrego, córrego rápido, onde, jazendo louco, surto: solto furtivos sentimentos e minto. Nego o sabor lascivo da menta e mel do lado de fora, foro que não freqüento, e mitômano me torno. Em torno de minhas manhas, manhãs passo, sem que uma emoção floresça e que um passo avance, decerto, neste deserto de carinhos e afagos imaginados e aguardados, ainda que minguados, guardo luto pela perda do momento, tanto ensaiado, nunca perpetrado. Resido desolado, resíduo inodoro e insípido, tenho água bastante e vinho que falta. Sede matada do sedento saciado e sem viço que apenas sobrevive, longe do prazer do licor e água ardente que transborda do vulcão lá dentro no afã de se soltar, mas, enfim, reflui, trinca os dentes e se algema. Gema estéril de um ovo que geraria criatura e vida veloz. Aturo esta dor silenciosa e, calado, resto, sem gemido ou lamento. Minha escusa é mentira da vida negada, da partida adiada. Disfarço e desfaço a teia que desenrola os eventos que os ventos inflam e os oceanos oferecem aos sôfregos que sabem se lançar. Sejamos práticos, da prática me ausento, a prata rebrilha ao longe e os fatos me escapam. A inveja do movimento me consome, sumido no receio de ousar, usar a existência, saciar o querer. Opto pela tensão do medo da queda ansiada. Permaneço inerte na ebulição do desfeito. Defeito. Eterno potencial que não se move, pago o ágio do perdulário que consome dádiva da existência única. Testemunha imóvel, fujo do crime que amaria cometer. Como rocha fico. Fígado exposto às aves do infinito tempo.

- Sebastião Agridoce -


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19junho2001
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