Cultura?

Tenho pensado bastante na apresentadora Hebe Camargo ultimamente. Lembrei-me que ela fazia propaganda de uma marca de cerveja em seu programa. E fazia essa propaganda da maneira mais eficaz que existe. Bebendo a cerveja e exibindo, logo depois, uma expressão de grande prazer. Era extremamente convincente.

Será que muitas donas de casa deixaram o feijão queimar por tomar umas a mais durante o seu programa? Alguma senhora terá se embriagado tanto que jogou seu carro novo de encontro a um ponto de ônibus, matando adolescentes que voltavam da escola noturna? Terá passado pela cabeça do Silvio Santos, demitir a Hebe sumariamente, por ela estar dando um mau exemplo para as donas de casa do Brasil inteiro? A TV Cultura demitiu a Soninha.

Não quero aqui comentar a atitude da TV Cultura, mas sim, as reações que essa atitude gerou na sociedade. Vi muita gente falando bem e muita gente falando mal da TV Cultura. Vi depoimentos de jornalistas, políticos, artistas, enfim, gente que tem presença garantida e constante na mídia. Mas eu vi também a opinião de gente anônima. E foi isso o que mais me surpreendeu. Enquanto na mídia, houve um certo equilíbrio nas opiniões a favor ou contra, entre os anônimos, foi chocante a quantidade de pessoas que acharam correta a atitude da emissora de TV.

Eu me senti um peixe fora d’água, já que fui absolutamente contra a atitude da Cultura. Soninha foi demitida, basicamente por falar a verdade. Não importa se ela fuma maconha. O que importa é que ela fale isso. E ela nem falou isso em seu programa. Falou isso a uma revista que nem é dirigida ao público jovem. Falou porque foi perguntada a respeito e falou provavelmente porque não gosta de mentir. É aí que reside o problema. O crime de Soninha não foi fumar maconha. O crime de Soninha foi falar a verdade. A verdade incomoda e incomodou a TV Cultura. E é a verdade que está incomodando as pessoas.

Quando tinha 13 anos, minha filha me perguntou porque é que as pessoas usavam drogas. Numa hora dessas, a tendência é que a gente esqueça de todo discurso liberal que ostentamos e ceda à tentação de adotar uma posição reacionária. Respirei fundo, fiz uma cara de sério e dei a única resposta que seria honesta naquele momento. As pessoas usam droga por causa do prazer que ela lhes proporciona. Elas usam drogas por que acham gostoso.

É claro que logo em seguida, expliquei as conseqüências que essa atitude pode trazer. Falei dos efeitos colaterais e das seqüelas que isso pode causar. Mas não consegui evitar de falar a verdade. E hoje eu estou muito seguro de que minha resposta foi a mais coerente. A mais honesta.

Eu defendo o direito das pessoas decidirem sobre se devem ou não fumar maconha. Se devem ou não fumar cigarros. Se devem ou não fazer aborto. Isso não quer dizer que eu sou a favor de fumar maconha, cigarro ou que eu faria um aborto. Sou contra EU fumar maconha ou cigarro. Sou contra que se faça aborto para tirar um filho MEU, mas acredito que essas devem ser decisões pessoais. Deve haver liberdade para tomá-las.

Estou muito confortável para dizer isso, pois eu nunca gostei de fumar, nem cigarro e nem maconha. Mas tenho alguns amigos que fumam e nunca vi, nenhum deles, cometer algum ato hediondo por causa disso. Muito pelo contrário. Sempre que fumam, eles ficam tranqüilos e pacíficos. Eu não tenho dúvida de que o cigarro ou a maconha podem lhes fazer mal, mas eu tenho certeza de que eles também sabem disso.

A alegação que a TV Cultura deu para demitir a Soninha, foi a de que não poderia aceitar que um funcionário admitisse que pratica um ato criminoso. Lembrei-me imediatamente do jornalista Wladimir Herzog. Ele foi preso, torturado e assassinado porque fazia parte do partido comunista. Fazer parte do partido comunista era crime. Wladimir Herzog, quando foi morto, trabalhava na TV Cultura.

- Arnaldo Heredia -


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08dezembro2001
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