Entrada de 2002

Passei a entrada de ano no Rio de Janeiro. Há muito que ouvia os comentários sobre os fogos em Copacabana, sobre as luzes e explosões que levavam 2 milhões de pessoas a se irmanarem num momento de emoção e fraternidade,  tomados pela esperança do novo ano que chega. Imbuído dessas aspirações fraternais de final de ano, me aventurei a ir com os amigos à praia ver o show de pirotecnia patrocinado pela prefeitura.

Pouco depois das 11 horas, saí do Leblon para caminhar até Copacabana. Contra todas as pragas rogadas pela meteorologia, a Lua brilhava no céu, quase cheia, e uma brisa agradável soprava do mar. Apesar de não ser grande a distância, reparei logo que naquele passo não chegaria a tempo de ver o espetáculo. Se eu quisesse ver os fogos, tinha que acelerar minha peregrinação. Como os táxis sumiram ou estavam parados (taxista também é gente), decidi por uma novidade: ir de ônibus. Há mais de 10 anos que a violência da cidade e a opulência de meus rendimentos me afastaram dos coletivos cariocas. O motorista do ônibus direção Central do Brasil nem deixou eu fazer sinal. Foi reduzindo a marcha e parou fora do ponto. Uma gentileza. Bom augúrio! Apenas mais dois casais compunham os passageiros da derradeira viagem que só chegaria à Central já em 2002. Mal o ônibus andou um quarteirão e entrou um grupo de rapazes. Sem susto! Apenas jovens de classe média que, como todos nós, não sabem o que fazer nesta data e optam pelo mais simples: bebem todas! As figuras já entraram cantando. E cantaram até nosso ônibus empacar no engarrafamento na Praça General Osório. Por sinal, o general ficaria ruborizado com as canções vivamente interpretadas em nossa curta viagem. Um dos rapazes resumiu seu repertório a apenas uma música. Ele entoou a pleno pulmão, durante todo o trajeto, aquilo que era também sua resolução e encomenda para 2002. "Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo, muita xoxota na pica, saúde pra dar e vender!". Não tinha muita rima mas, enquanto proposta, mostrava objetividade.

Ansiosos, terminamos a pé a caminhada pela Francisco Sá, desembocando na praia para nos juntarmos ao milhão de pessoas que esperava o arrebatador espetáculo da Princesinha do Mar. Chegamos em cima da hora. Foi encontrar um lugar e bateu meia-noite. Todos se abraçaram, com as frases de praxe, desejando feliz Ano Novo, sucesso, saúde e nos voltamos para o mar onde o grande show aconteceria... 

Mas não aconteceu. Lá longe, sem dúvida, superseguro, espocavam os fogos de sempre. Com a distância entretanto, ficaram pequenininhos e até o som das explosões, normalmente intimidante, parecia uma trovoada distante. Pouco acima dos fogos, a Lua flutuando magicamente era mais espetáculo de se ver. Quando alguma explosão era maior, a multidão tentava incentivar com palmas, torcendo para o show decolar. Não decolou. Ficou morno, lá dentro do mar, em cima das balsas, perto dos transatlânticos que estacionaram em frente a Copacabana. Para nós, em pé na Av. Atlântica, restaram os jatos de champanhe que eram espargidos pelos mais animados. Pouco civilizado, mas era festa. Nos apartamentos e quartos de hotel da Av. Atlântica, pagos a preço de ouro, muita gente deve ter se sentido ludibriada. Talvez possam reclamar no Procon. Eu acho que foi mais uma propaganda enganosa.Um rapaz junto de nós resumiu: Foi brochante! 

Sem mortos e feridos (algo que deve ser comemorado), iniciamos a caminhada de volta para o Leblon. A Vieira Souto estava silenciosa. Não houve fogos em Ipanema. A rua era apenas um grande corredor para os espectadores do fiasco de Copacabana voltarem para casa. Sobre o morro Dois Irmãos, riscos vermelhos atravessavam o céu. Inicialmente pensei que era algum tipo de raio laser. Mas logo me veio a percepção do que era aquilo. Eram tiros de fuzil com balas traçantes que os traficantes da Rocinha usam para fazer o show deles. O efeito é deslumbrante. As balas – como não poderia deixar de ser – vão muito rápido e seguem trajetórias quase retas marcando a direção das rajadas. Dentro do espírito de paz e amor que cerca a passagem do ano, os pequenos empresários do comércio de drogas atiravam em direção ao mar. Menos mau.

Assim começamos o ano no Rio de Janeiro. Os fogos de Copacabana mais seguros e menos exuberantes. O tráfico mais exuberante e seguro. Vamos em frente!

- Gustavo Gluto -


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01janeiro2002
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