Da  Real  Ignorância 
Pequeno Tratado sobre Destrato

Milla Kette
colaboradora

Inicio agradecendo Marcelo Dawalibi, que não limitou-se a honrar-me com um texto inteirinho ("Os Ignorantes Históricos") publicado em Polemikos (http://polemikos.com/furo/fu20020723.html), mas, também, com epítetos os mais variáveis, tais que: ignorante histórica, imbecil, racista, discriminatória, esquizofrênica, idiota. Ao menos, ele conclui lá com seus botões que não sou perigosa – uff, que alívio para meu marido, minha filha e os gatos! Uma coisa eu prometo: não descerei ao mesmo nível a que o cavalheiro aprofundou-se, pois teria que abaixar-me demais e minha coluna não permitiria tal proeza (sabe-se lá o que é viver num corpo de 43 anos?!). Dawalibi preocupou-se tanto com meu nome, que resolvi dar uma colher: Mila é simplesmente o apelido que me foi dado por minha madrinha quando ainda vivia na Bahia, há uns 40 anos. Acrescentei mais um "l" (OK, sem te pedir permissão, Dawalibi!) para acabar com os erros de pronúncia aqui nos US. Kette, vem de meu marido – que nós somos ignorantes inbreeders e nos casamos por aqui, com papel passado e tudo mais, viu? Gostaria de entender qual a importância e a relação do meu nome com minhas "idéias exóticas"...

Não me recordo de em momento algum arvorar-me imensos conhecimentos históricos em nenhum de meus escritos. Que possa ter cometido erros, não descarto absolutamente, pois não sou expert na área. Parece-me, no entanto, que Dawalibi o é, mas não deteu-se muito em dados, mas apenas em criticismo; fica, também, claro que ele não é chegado a lutar por suas idéias seguindo as regras do marquês de Queensberry... So, be it! Ele, ao que tudo indica, desconhece que nos US, milhares de brancos morreram para libertar os escravos do sul da União. Também, o sábio historiador, certamente esqueceu que após a liberação foi criado o Bureau Freedmen, "constituído durante a Reconstrução a fim de auxiliar os Negros em transição da escravidão para a liberdade" (conforme notas 4 e 5 do meu texto "Racismo ao Avesso", que ele critica e, ao que tudo indica, não analisou com o devido cuidado). No meu entender, mecanismos protetores para negros ou quem quer que seja, só são necessários hoje para inválidos. Toda essa distinção, esse racismo que ele vê no Brasil, eu desconheço. Nas escolas públicas que estudei, tive muitos colegas negros e pobres, e não recordo uma única vez em que foram tratados de forma diferente de mim, branca e de classe média. Creio que passando 5 manhãs por semana, durante vários anos, com esses colegas negros, teria sido impossível eu não ter notado absolutamente nada – bem como meus colegas brancos! Meus amigos negros jamais referiram discriminação. Há poucos dias conversava com uma amiga que vive em Porto Alegre e ela comentou exatamente isso, que jamais presenciou ou ouviu nenhuma situação racista em seus 42 anos de vida. Muito provavelmente, ela é outra "ignorante histórica", como eu! A realidade é que motivação, interesse, não se ganha, mas vêm do berço.

A existência de pessoas racistas, no entanto, é algo que ninguém poderia negar. Mas o problema só ocorre quando essas pessoas realizam ações racistas. Um sentimento não pode afetar terceiros, a não ser que se transforme em ato. A Klu Klux Klan foi um resultado da ação de brancos racistas, algo terrível que ainda existe nos US, mas que, se partir para a ação, sofrerá as conseqüências legais – eles têm o direito de expressar-se, mas não de agir. O que mais se poderia exigir da lei, senão punir? Não há lei no mundo possível que coíba alguém de ter pensamentos racistas. E o ser humano é basicamente seletivo: detesto peanutbutter cookies, mas adoro torta de ruibarbo; não é prejuízo, apenas não gosto e não consumo os tais cookies! Questão de gosto e lei alguma nesse mundo me fará mudar! O que se pode fazer é agir: me punir se eu tentar destruir, por exemplo, os peanutbutter cookie que eu ver. Isso, a Lei Afonso Arinos já fazia. Não há que criar novas leis (vício do Partido Democrata por aqui), mas cumprir as existentes! Será tão difícil assim ver o óbvio?! Dawalibi afirma que os negros foram "empurrados para os morros ou para a sarjeta". Também há brancos nessas exatas condições no Brasil. Teria sido o racismo a causa? O Brasil tem um claro sistema de castas, monetário. Isso não é racismo!

Dawalibi afirma que nos US ‘o ignorante histórico abomina a presença dos hispânicos, a quem acusa de "roubarem o seu emprego"’. Vejamos: se compreendi, eu sou uma ignorante histórica; no entanto, jamais pensei que os hispanos que vivem aqui roubam meu emprego. Há muito emprego para todos, é só agarrar a oportunidade (porque ela não vai atrás de ninguém). Como ele é tão categórico em sua afirmação, imagino que leu esse tipo de comentário; peço que faça pública a informação, pois é mais que justo matar a cobra e mostrar o pau! Sobre a expansão para o Oeste, muitos cidadãos americanos viviam na Califórnia (que passara da Espanha para o México novamente, lembra?), o que culminou na Cahuenga Capitulation, quando aceitaram a soberania dos US; em 2/2/1848, o estado foi cedido aos US através do tratado de Guadalupe Hidalgo, que terminou com a Mexican War. O Texas, como todo o México, viveu sob o império espanhol. Em 1821, quando o México conseguia sua independência, Stephen Fuller Austin (filho de Moses Austin), com a permissão do governo, instalou-se ali com 300 famílias. Assim, várias colônias foram fundadas e em 21/4/1836, a independência do Texas foi reconhecida pelo ditador Santa Anna e tornou-se uma República, independente da União pelos 10 anos seguintes. Da mesma forma, Novo México estava cheio de anglos (americanos de origem européia, que falavam inglês). Com a guerra declarada, o general Stephen Watts Kearny foi enviado para a região em 1846; ele tomou Santa Fé sem disparar um único tiro em 18/8/1846 (o Tratado de Guadalupe também cedeu o NM). Todos os estados citados, estiveram sob domínio Espanhol, o que, parece, não teve importância na perspectiva histórica toda especial de Dawalibi. Essa aula de História (é, com letra maiúscula) foi para mostrar que as coisas não são simples como podem parecer e fatos diversos levam a um fim. Será que esses estados seriam hoje produtivos como o são, se sob bandeira mexicana? Exatamente como o México faria esse milagre, pago para ver.

Ele também referiu-se aos "cinqüenta anos de uma política externa desastrosa dos Estados Unidos" como explicação para o massacre de 9/11, mas, novamente, esse enfant terrible esqueceu de citar alguns exemplos! Quanto a bin Laden, ele esqueceu de mencionar um fato importante: que os US treinaram os Afegãos pare defender-se da invasão russa e que Osama é instruído – bem como os fanáticos que se atiraram ao WTC e Pentágono! Se bin Laden mordeu a mão que o alimentou, essa é uma outra estória; vai ver que ele foi daquelas crianças que mordeu o peito da mãe também!

Dificultar a entrada de muçulmanos nos US? Sou a favor, visto que os terroristas que atacaram o WTC eram praticantes dessa religião. Se fossem espíritas, aplicaria o mesmo pensamento. Por que não? Infelizmente, o país resiste em aplicar essa medida lógica. Sobre comunismo, para mim, é o sistema econômico mais injusto de todos, que estratifica classes, cria castas de merecedores sem mérito, emburrece e castra. No meu entender de ignorante histórica, a meritocracia é o melhor método. Sem essa de escola plural! O mundo é competitivo e há que se acostumar o ser humano a isso – claro, de forma positiva e saudável. Dawalibi afirma que expus "teses racistas, discriminatórias e, acima de tudo, idiotas", mas não apresentou uma único exemplo. Deve, também, ter esquecido que quando se pretende expor um erro, há que realmente desnudá-lo. Falar por falar, papagaios têm a capacidade de reproduzir a voz humana! Ele conclui pela minha não periculosidade, pois – como mesmo texto que ele publicou no site Usina de Letras (httpn:www.usinadeletras.com.br) sob um título muito criativo: Milla Kette: uma inocente útil – não passo de uma inocente útil. Já me chamaram de muita coisa, nunca de inocente. Tenho que concordar com as massas e corrigi-lo. E aproveito para pedir que expliques quais exatamente são essas "idéias mentirosas" que as tais "mãos inescrupulosas" (isso até parece novela da Janete Clair!) manipulam. Esqueceste de explicar... Agora, depois de tudo que contei sobre mim, satisfaz uma curiosidade: qual é a origem de Dawalibi? E é realmente teu sobrenome? De verdade? A resposta pode fazer jus a um prêmio: uma das 90 latinhas do artista Piero Manzoni – não torçam o nariz, não, pois uma delas foi recentemente adquirida pela Tate Gallery pela bagatela de 32.300 pounds!


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15agosto2002
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