TRATADO MALTRATADO

- Marcelo Dawalibi -
colaborador

Em artigo denominado "Da Real Ignorância - Um pequeno tratado sobre o destrato", a Sra. Milla Kette, a pretexto de ofertar resposta a meu texto dedicado a pessoas que pensam como ela (Os Ignorantes Históricos) fez um verdadeiro libelo repleto de distorções.

Defeitos tenho muitos, mas dentre eles não está o pernosticismo. Não me proponho, pois, a dar aulas de História ("é, com maiúscula"): não sou professor e nem catedrático na matéria e, ademais, Mrs. Kette parece ter uma certa aversão a tal disciplina. Também não prometo um "tratado", deixando tal mister a "doutos" como ela. Independentemente de eventual resposta que virá do outro lado, adianto que, de minha parte, a polêmica se encerra aqui. Acho que o "Polemikos" é um espaço muito importante para o debate de idéias, e por isso deve estar aberto a outros colaboradores. Além do mais, não tem sentido polemizar com alguém que acha que o Brasil caminha para a comunização.

Vamos aos fatos:

1) Milla Kette afirma taxativamente que não há racismo no Brasil. Para fundamentar tão categórica conclusão, a articulista invoca dois argumentos. O primeiro mostra o seu apego a dados históricos: estudou em escolas públicas que tinham negros entre os alunos, e nunca os viu ser tratados de forma discriminatória. O segundo fundamento é a opinião de uma amiga que mora em Porto Alegre, e que também acha que não existe racismo no Brasil. Diante de argumentação tão científica, fica difícil discutir. Talvez se Mrs. Kette fizesse a sua "pesquisa" no Clube Paineiras ou no Colégio Rio Branco o resultado fosse outro, ou inconclusivo, pela absoluta falta de pessoas negras a serem observadas (exceto, é claro, o pessoal da cozinha e da faxina). Para provar a falsidade das conclusões de Mrs. Kette, bastam dois dados: dentre os 10% mais pobres do Brasil, 70% são negros. Isso é pouco? Já entre os 10% mais ricos, apenas 15% serem negros (dados do IPEA). Mas o que é isso perto da respeitável opinião de uma amiga que mora em Porto Alegre?

2) A Sra. Kette também abordou o esbulho que os Estados Unidos cometeram contra o México em sua expansão para o Oeste, que acha plenamente justificável porque os estados do Texas, Novo México e Califórnia não seriam "tão produtivos quanto são hoje" se pertencessem aos mexicanos. Esse brilhante argumento poderia ter evitado muitos conflitos armados. Certamente os franceses não teriam sido expulsos da Argélia no início do século XX se tivessem anunciado aos argelinos que apenas desejavam tornar aquela parte do Magreb "mais produtiva". A Inglaterra também poderia ter permanecido no Egito e na Índia, já que os teria tornado "mais produtivos". Até mesmo a Guerra do Golfo teria sido evitada, pois Sadan Hussein poderia ter justificado a anexação do Kuwait, tentada em 1990, explicando aos kuwaitianos que sob a égide do Iraque o país deles seria "mais produtivo". Talvez Mrs. Kette não desconfie, mas as pessoas que vivem sob um território podem estar unidas por algo mais do que a vontade de serem "produtivas", algumas bobagens como sentimento nacional e identidade cultural. Se não é por isso, então por que será que a cidade em que ela nasceu, embora pertença aos USA, se chama "Palo Alto"?

3) Também não vê a articulista nada de errado no fato de os EUA terem armado, no passado, Osama bin Laden, pois isso fazia parte de uma estratégia para impedir que a URSS dominasse o Afeganistão (quem sabe para torná-lo "mais produtivo"). Ao exemplo citado poderíamos acrescentar um outro: Sadan Hussein foi armado pelos EUA para guerrear contra o Irã na década de 80 e, hoje, o Iraque é o maior inimigo dos norte-americanos no Oriente Médio. Como Mrs. Kette parece gostar tanto de escrever, poderia, entre um artigo e outro, fazer uma pausa e ler "O Príncipe", do florentino Nicolau Maquiavel, especialmente no seguinte trecho: "Os capitães mercenários ou são grandes militares ou não são nada; se o forem, não te poderás fiar neles, porque aspirarão sempre à própria glória, ou abatendo a ti, que és o patrão, ou oprimindo a outrem contra a tua vontade." Ao longo de 50 anos, os EUA armaram os que são hoje seus piores inimigos, apoiaram ditaduras corruptas na América Latina e, recentemente, elogiaram um golpe de estado frustrado na Venezuela. Se isso não é política desastrosa, é o quê?

4) Apenas para satisfazer a aguçada curiosidade de Mrs. Kette, sou brasileiro filho de pai libanês (daí o Dawalibi). Tenho orgulho de minha nacionalidade e de minha ascendência. Ao contrário de certas pessoas.

No mais, "Da Real Ignorância" não é um tratado, grande ou pequeno que seja. É apenas um texto do mais raso banalismo, um superficial amontoado de lugares-comuns e chavões, resultado da expressão frouxa de sua autora. O artigo distorce fatos, nada ensina, e parece só divertir Mrs. Kette - se é que ela se diverte com a fragilidade de seu raciocínio.


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27agosto2002
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