2000 Farenheit Milla
Kette
(millakette@aol.com) No dia do ataque terrorista ao WTC e nos subseqüentes, foi com horror que li comentários de simpatia e apoio a Bin Laden e seus assassinos, nos fóruns políticos da UOL Brasil. De repente, as vítimas eram tratadas como monstros, e os assassinos, filhos de famílias de classe média árabe, vistos como pobres e oprimidos... O aparelho de televisão mostrava as imagens teratológicas, e, como petrificada por alguns instantes, não conseguia assimilar o que o cérebro captava através dos olhos. Era como se algo irreal, misto de sonho, de pesadelo e filme, teatro insano, se enroscasse nas minhas pernas, me impedindo de movê-las, petrificando meus movimentos. Ainda hoje, após tantos meses passados, meu coração se aperta ante a imagem das torres do World Trade Center desmoronando. Enfraquecidas por um calor inimaginável (1) que destruiu a estrutura de ferro dos prédios, as torres cederam. Hoje sabe-se que as paredes que ficavam na base dos prédios - bath tub, banheira - foram fortes o suficiente para evitar que o rio Hudson penetrasse nas galerias do metrô, levando assim, com as vidas que os prédios ceifariam, mais alegria ao coração endurecido de muitos no mundo muçulmano... O New York Times reuniu mensagens de vítimas e sobreviventes do ataque terrorista, e publicou-as dia 26 de maio num longo e pungente artigo (2). Surpreendentemente, não vi nenhuma tradução em jornais do Brasil, que apressam-se em publicar qualquer coisa que possa render um bom e certeiro ataque aos EUA. "Fighting to Live while the Towers Died", foi escrito a cinco mãos por Jim Dwyer, Eric Lipton, Kevin Flynn, James Glanz e Ford Fessenden. Eles iniciaram o relato da seguinte forma: "Começaram como chamadas de socorro, informação, esclarecimento. Rapidamente, transformaram-se em sons de desespero, raiva, amor. Agora são lembranças das vozes dos homens e mulheres que firaram presos nos últimos andares das torres gêmeas". São 102 minutos de ligações telefônicas, e-mails e mensagens em secretárias eletrônicas - são as vozes que nunca mais serão ouvidas, as vozes dos que não podiam receber socorro algum. Foram 353 vozes saídas dum inferno, que lograram comunicar-se com o mundo exterior. Consta que 157 sobreviventes colaboraram com o artigo. Um dos mais pungentes relatos, é o de Edmund McNally, falando com a esposa, Liz. Nos últimos instantes de vida ele calmamente lembrou-a do seguro de vida e dos bônus para os funcionários da empresa. Enquanto o teto acima dele ruía, ele teve tempo de dizer que ela e os filhos eram todo o mundo para ele. Após o que ela julgou ter sido seu adeus, o telefone tocou novamente: ele lembrara que havia feito reservas para comemorarem o aniversário dela de 40 anos em Roma e pedia que ela as cancelasse. Depois, o silêncio, o vácuo, a ausência, o seguro que nunca trará o ser humano de volta. Alguns instantes, um lapso no universo infinito do tempo avassalador, um mundo, uma vida, tudo pára e reinicia ao pressionar um botão... Há evidência que mais de mil pessoas sobreviveram acima das zonas de impacto - umas 300 na torre sul e 800 na norte - muitos dos quais estavam vivos quando os prédios ruíram. Uma coletânea de 20 videoteipes - que inexplicavelmente não foram mostrados ao público - registraram cerca de 50 pessoas atirando-se dos prédios. O espaço foi certamente preferível ao calor inimaginável... Eram 8:44 da manhã do dia 11 de setembro de 2001. As portas do elevador do Windows of the World, o restaurante da torre norte, no 107o andar, fecharam-se e começou a descida. Dois minutos depois, um boeing de 156 pés de comprimento, com 10.000 galões de combustível, chocou-se com o prédio, entre o 94o e o 98o andares. O impacto que propagou-se para cima e para baixo, sacudindo o prédio, durou apenas 6 ou 8 segundos. Algumas pessoas mantiveram-se calmas, e aguardaram instruções, perdendo minutos que lhes custaram a vida. As escadas de incêndio estavam entulhadas acima do 92o andar e os que tentaram escapar, subindo para fugir da zona de impacto, sucumbiram: os helicópteros não podiam aproximar-se dos prédios o suficiente para resgatá-los. Eles nunca souberam que abaixo desse andar, estava a salvação: os detritos não impediam a passagem... Abaixo do Windows of the World, no 104o andar, Andrew Rosenblum ditava à esposa os nomes e números de telefones que os quase 50 colegas gritavam. "Liga para as esposas deles, diz que estamos na sala de conferências e está tudo bem", ele pediu. Enquanto ela escrevia rapidamente num bloco de papel amarelo, a televisão mostrava a imagem das torres em chamas. Rosenblum e os colegas podiam ver o Empire State do lado leste da sala de conferências. Por aproximadamente 1 hora e 27 minutos… "Em Rockville, do gramado da casa dos Rosenblums, Debbie Cohen discava os números nos pedaços de papel amarelo que Jill Rosenblum lhe havia dado." Andrew Rosenblum subitamente gritou, enquanto falava com a esposa: "Oh, meu Deus!" - é que corpos começaram a cair do andar de cima. Um policial num helicóptero passando a cinco andares to topo do pédio, próximo às janelas que não se quebraram, viu umas 50 pessoas com os rostos colados nos vidros, tentando desesperadamente respirar. Enquanto Lynda Thorpe falava com o marido no celular, distinguia gritos desesperados de um homem, enquanto alguém tentava acalma-lo, falando mansamente: tudo vai acabar bem, fique calmo... Vinte minutos depois, essa voz acalentadora estaria sepultada sob toneladas de ódio. Frank Doyle ligou para a esposa e explicou que a porta de saída para o teto do prédio estava fechada e que não podiam descer, por causa do fogo. "Liga para 911", ele disse, após assegurá-la de seu amor por ela e pelos filhos. Sean Rooney ligou para Beverly Eckert que conhecera numa festa quando ambos tinham 16 anos. Fazia pouco tempo, ambos haviam completado 50. Ela assegurava que o fogo estava longe, mas ouvia a respiração dele mais pesada. Chão e teto ruíam, deixando entrar livremente a fumaça e o calor. Rooney disse que a amava e começaram a despedir-se. Ela ainda ouviu uma enorme explosão. Foram tantas as chamadas naquele dia que não obtiveram resultado. Portas nunca foram abertas, helicópteros jamais chegaram, bombeiros ficaram a meio caminho, palavras de amor foram interrompidas. Zumbido de linha telefônica encheu o espaço naquele dia. Telefones ficaram colados aos ouvidos ansiosos, soluços, corpos dobrando-se de dor, palavras sem resposta, silêncio tenebroso. Eram 10:28 da manhã no planeta Terra. Em Manhattann, uma gigante nuvem de fumaça abraçava o ar, como que embalando os corpos massacrados, secando o sangue das paredes que caiam num estrondo inumano. Um como urro de pavor emergira de todos os lábios dilacerados num instante supremo de dor. Uma vontade e milhares esmagados sob tanto sofrimento. Uma crença insana e inexplicável e o caos arrastou as vidas singelas, comuns. As vidas que enchiam metrôs, carros, ônibus, calçadas, faziam fila no supermercado, compravam sorvete para os filhos, amavam sob lençóis noturnos, suspiravam, olhos cerrados, entre o espaço e o asfalto que se aproximava - vertigem libertadora. (1) A temperatura de 2.000 Farenheit, ou aproximadamente 1.093 Centígrados, é suficiente para derreter até ferro! (2) O artigo, infelizmente, não está mais a disposição do leitor no NY Times, mas pode ser adquirido por U$2.50 através do link: http://query.nytimes.com/search/abstract?res=F50917FF345E0C758EDDAC0894DA404482 envie agora seu comentário sobre este artigo veja outros artigos da seção extra 19setembro2002 |