Humpty Dumpty 
explica Iraque, Venezuela 

Alice Através do Espelho, assim como o outro e mais conhecido Alice no País das Maravilhas, é um livro fundamental. O autor, Lewis Carroll, diácono da igreja anglicana e tarado reprimido, gostava de fotografar meninas menores de 10 anos em poses que, para a época, final do século XIX, eram bastante ousadas e ficam, ainda hoje, beirando o erótico. Mas, ao que parece, ele não abusou de nenhuma garotinha inglesa. Ficou apenas na fantasia. Não cometendo nenhum crime, entrou para história como o criador de Alice e pela lógica sofisticada que impregnava seus livros. Assim, as histórias de Alice, superficialmente confundidas com literatura infantil, são, na verdade, um manancial de jogos de lógica que permitem a leitura com diferentes graus de interpretação. Digo tudo isso para, mesmo não sendo muito original, citar um trecho famoso de Através do Espelho, em que Alice se atrapalha com o discurso de Humpty Dumpty:

"- Quando eu uso uma palavra - disse Humpty Dumpty num tom escarninho - ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique ... nem mais nem menos.
- A questão - ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
- A questão - replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso. "
(Lewis Carrol, Alice Através do Espelho, Editoras Fontana/Summus, edição de 1977)

Saber quem manda, isto é tudo! Esta frase do século retrasado - falamos de 1800, pois não? - é de uma atualidade dolorosa. Vejamos. As palavras que as Alices e nós todos escutamos nos noticiários e lemos nos jornais têm, nos dias de hoje, dois principais assuntos internacionais: A invasão do Iraque e a queda do governo da Venezuela. As duas ações são patrocinadas com firme determinação pelo governo americano de George W. Bush. A tão anunciada guerra contra o Iraque usa como discurso a eliminação do Mal, a exterminação do protetor dos terroristas, e é mais fácil de vender. Afinal, depois de 11 de setembro de 2001, o medo dos árabes é a paranóia padrão entre os gringos. Já a derrubada do presidente eleito da Venezuela é mais complicada de se explicar. Os americanos já indicaram formalmente que desejam sua saída. Eles já disseram em palavras claras que acham que é o melhor caminho para resolver o problema é a saída de Hugo Chávez. O que elas querem dizer? - perguntaria a ingênua Alice. Qual problema está sendo resolvido? O esperto Dumpty explicaria, então: - o problema que contraria os interesses dos EUA, ora!

Tentando ver por baixo da neblina de informação (ou contra-informação) que cobre estes assuntos, encontramos o tradicional ouro preto, o petróleo. Não é coincidência que estamos falando do Iraque, que ocupa o segundo lugar entre as maiores reservas de petróleo do mundo, só perdendo para a Arábia Saudita, e da Venezuela, que ocupa o sexto lugar na lista. Entretanto, infelizmente, a Venezuela é o primeiro país não árabe na lista dos donos do petróleo mundial. A Venezuela não fica no oriente médio e não tem muçulmanos. É um alvo óbvio para garantir acesso ao petróleo com segurança. Pensemos um pouco. Se você fosse o administrador do país mais poderoso do planeta, consumisse petróleo desbragadamente – os EUA produzem 10 milhões de barris por dia e consomem o dobro disso – e não possuíssem reservas suficientes para manter esse ritmo, tendo que importar maciçamente, o que poderia fazer para não correr riscos? Que tal reorganizar o mundo para, convenientemente, ficar com o controle desse petróleo todo? Pois é isso que o presidente Bush, que apesar da cara de bobo, não é nada disso, está tratando de fazer. O que a gente está vendo no noticiário falando de armas biológicas que não aparecem, no Iraque, ou de um povo, na Venezuela, repentinamente convencido de que tirar o presidente Hugo Chávez do poder resolve todos seus antigos problemas são, apenas, as imagens e palavras que estão dizendo o que os EUA desejam que digam. Lembram-se: o que importa é saber quem manda.

Com a enxurrada de cenas na tevê de gente correndo nas ruas de Caracas, prepara-se a audiência mundial para a operação de derrubada de Chávez. Na primeira tentativa fracassada de golpe na Venezuela, quando o empresário Pedro Carmona tentou derrubar Chávez, tão logo ele se aboletou na cadeira de presidente, pensando que tinha assumido o poder, os EUA correram a reconhecer o novo governo. Neste dia, o mercado de petróleo, sabendo que o novo governo seria totalmente alinhado com os EUA, e que assim o problema do controle da oferta do produto estava resolvido, assistiu a uma queda gigantesca de 4 dólares no preço do petróleo. Peguem os 10 milhões de barris que os EUA importam diariamente e multipliquem por estes US$4. Pelas quantias envolvidas muita gente mataria a própria mãe. Quanto mais, derrubar um mero presidente sul-americano. O curioso, é que este movimento de intervenção externa na Venezuela não tem razão para acontecer. No leste europeu, populações foram dizimadas e os EUA e a Europa Ocidental deixaram o problema rolar e olharam para o outro lado. Como descreveu Clóvis Rossi, em artigo na Folha de São Paulo, a democracia na Venezuela está intacta. Lá existe liberdade de imprensa, liberdade de expressão, o presidente foi eleito democraticamente. A Arábia Saudita não tem nenhuma dessas qualidades e os EUA não vêem problema. Bem, mas os Sauditas são aliados incondicionais dos interesses americanos. Recentemente, um especialista em geopolítica, nas páginas amarelas da revista Veja, dizia que as pessoas têm de reconhecer que os EUA estão apenas exercendo o papel que lhes cabe de país mais poderoso do mundo. Segundo ele, os EUA são até pouco intervencionistas dado seu poder absoluto no cenário mundial. Ele comenta candidamente: - Se a Rússia fosse a grande nação do planeta, as coisas seriam muito piores.

Bem, o ano de 2003 promete ser prenhe de acontecimentos para estes dois países: Iraque e Venezuela. O presidente Bush é texano, foi patrocinado pela indústria de petróleo de seu país e até já trabalhou em empresa no ramo petrolífero, a Harken Energy. Ele sabe a importância e o valor do petróleo e vai mover céus e terras – em caso de guerra, leia-se a expressão anterior literalmente – para botar a mão nesse petróleo todo. Os franceses que têm interesses na indústria de petróleo do Iraque, já resmungaram contra esta chegada violenta dos EUA para controlar estas reservas. Não devem ir muito longe. Os EUA certamente reservarão uma fatia para a França. De qualquer modo, nem os franceses podem deter os poderosos. Internamente, a opinião pública americana começa a reclamar desse feudalismo global dos EUA, que pode custar a vida de jovens americanos numa guerra. Com toda a tecnologia de bombardeios, sempre pode haver perdas se forem necessários combates em terra. Também acho que é pouco. O povão americano vai ouvir o bonitão Leonardo di Caprio apresentar os argumentos contra a guerra, podem até se sensibilizar na hora. Depois, ouvirão as palavras e imagens que Humpty Bush Dumpty vai querer que eles entendam e concluirão que o mais simples é garantir a gasolina barata para ir à Disneylândia de carro. O porrete do presidente texano vai ter o apoio da população. Pobres dos Iraquianos e Venezuelanos.

- Tirésias da Silva -


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12janeiro2002
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