Uma história de amor Nesses tempos de cólera, passo a vocês esta história romântica de paixão e volúpia que eu li, há mais de 20 anos, no antigo semanário Pasquim. Uma preciosidade que, puxando pela já fraca memória, tento narrar com a máxima fidelidade. * Eles se encontraram numa festa de interior. Luciano, rapaz bonito e solitário, num canto do salão do clube, admirava os casais que dançavam juntinhos ao som das antigas músicas de dor-de-cotovelo do Roberto Carlos. De repente, sentada do outro lado da sala, ele vê a criatura mais linda que já fora oferecida a seus olhos. A moça arrebatou Luciano. Tanto foi sua empolgação que ele venceu a timidez, atravessou o salão e, chegando em frente à mesa onde a moça se sentava, convidou-a a dançar. Quando Luíza – este era seu nome - levantou o olhar para ele, o coração de Luciano parou. Os cabelos negros de Luíza se afastaram mostrando os olhos azuis mais cristalinos que ele imaginara existir. Com um sorriso, Luíza declinou do convite. Ela não queria dançar. Luciano ficou ali desconcertado, ainda saboreando aquela visão, sem saber o que fazer. Acabou por se virar e retornar aturdido ao, agora, torturante lado da sala que o punha afastado da moça. A emoção tomou seu corpo como uma cãibra de paixão. Não desistiria! Não perderia a oportunidade de ter aquela deusa em seus braços. Avançou revigorado em sua determinação. Se apresentou, perguntou seu nome, e, num arroubo de ousadia, disse-lhe que não se moveria de frente a ela se não fosse para dançar, pelo menos, uma música. Luíza baixou os olhos para logo alçá-los com hipnotizante meiguice. – Eu não posso. A voz saiu-lhe rouca e baixa. Mas Luciano ouviu. Ele era toda a atenção do mundo para aquela, que já fantasiava ser a mulher de sua vida. Naquele momento, Luciano já não era dominado pela timidez e introversão. Ousado, rodeou a mesa e sentou-se junto a Luíza. Ela teria que lhe explicar porque não podia dançar com ele. Luíza hesitava. Mas não pode resistir ao olhar sôfrego de Luciano. De novo, olhando para o tampo da mesa, com aquele jeito que a deixava tão bela e desprotegida, Luíza reuniu forças e disse: - Não posso dançar porque não tenho pernas. Seus olhos brilhavam como nunca, as lágrimas prontas a verterem pelo inigualável rosto. Luciano sentiu o impacto da revelação que sua amada lhe fazia. Mas, a dura realidade da invalidez de Luíza, antes de demovê-lo, agigantou sua emoção. Tomou-lhe a mão e ficou ali a admirar aquele ser que tanto sentimento lhe trazia. E ali ficaram, ausentes do baile, unidos pela paixão, que já tomava conta também de Luíza. Trocavam pequenas confidências sobre suas vidas. Ao final da festa, o momento de se afastar de Luíza era como tortura para o rapaz. Como poderia ficar longe dela? Dominado pela coragem dos amantes, Luciano se ofereceu para levá-la em casa. O sorriso de satisfação de Luíza mostrou que ela lhe correspondia. Ela também desejava intensamente sua presença. Seu coração transbordava de ternura. Pródigo em gentilezas, ajudou a conduzir Luíza até seu carro. Quando tomou-a nos braços, sentindo o corpo frágil junto ao seu, se cristalizou a certeza de que aquela mulher lhe era destinada. Seus olhos se cruzaram, o cabelo de Luíza tocou-lhe o peito, seu perfume lhe arrepiou a respiração. Luciano estava nas nuvens. Conduziu o carro devagar até a residência da moça. Buscava prolongar aquele momento mágico. Enquanto dirigia, sentia o olhar carinhoso de Luíza cravado em seu perfil. Quando se voltava para vê-la, era recebido com um sorriso que iluminava seu caminho mais que o faróis que venciam a escuridão da estrada. Parou na porta da casa de Luíza. Havia uma grande alameda iluminada pela luz da Lua, com a casa branca ao fundo, uma sombra de prata na noite. Voltou-se para ela, seus olhos se encontraram e não houve dúvida para os dois amantes. Se lançaram num beijo ardente, trocando suas respirações, suas vidas. Luciano estava exaltado. A força da natureza crescia dentro dele. Ele desejava aquela mulher e sabia que ela também o queria. Mas, tomado de nobre resolução, saiu do carro e foi abrir a porta para levar Luíza até sua casa. Andando lentamente com Luíza em seus braços, a inevitável troca de beijos e carícias aconteceu e daí, para que o ardor sexual tomasse conta do casal, foi um nada. Luciano estava fora de si. Era o destino. Nada poderia se interpor entre ele e a mulher que se mostrava tão cheia de desejo quanto ele. Aproximou-se de uma árvore, um cajueiro que havia junto ao caminho e ali, enquanto Luíza se segurava nos galhos mais baixos, Luciano a possuiu com a combinação perfeita de carinho do amor e firmeza da paixão. As lágrimas assomaram os olhos do rapaz quando atingia o orgasmo e sentia Luíza acompanhá-lo naquele momento de plenitude. Descansaram junto ao cajueiro. Após algumas juras de amor sem fim, Luciano pegou-a no colo novamente e retomaram o caminho da casa. Mas, conforme andava pela alameda, tendo Luíza em seus braços com o olhar distante, o cheiro de homem e mulher exalando de seus corpos, Luciano sentiu a serenidade que lhe voltava. O enebriado momento havia passado. Ele ponderava. Há poucas horas, conhecera uma moça que um infortúnio havia roubado as pernas, lhe negara o direito de andar. Ele, como um conquistador barato, lhe seduzira da maneira mais vulgar. Acenando com seu amor, se aproveitara daquela quase menina, abusando de suas emoções e fazendo sexo com ela em frente a sua casa. Uma violência! Que espécie de animal era ele. Conforme estas recriminações lhe passavam pela cabeça, mais culpado Luciano se sentia. Ele era um monstro. Na porta da varanda da casa,
tocou a campainha. Um senhor abriu a porta. Não parecia muito velho,
mas seu rosto mostrava o cansaço, talvez, decorrente do triste destino
da filha. O pai colocou Luíza numa cadeira de rodas e levou-a para
dentro. Retornou e agradeceu com sinceridade a gentileza do rapaz que
trazia sua filha inválida para casa com tamanho desvelo. A frase do pai de Luíza foi a gota d’água para a culpa que tomava Luciano. Sem conseguir mirar os olhos do pai, o rapaz encostou a cabeça no portal e, chorando, confessou sua atitude recriminável. Falou de sua paixão e de como se deixou levar pelo desejo, chegando a abusar da moça, poucos momentos antes, ali perto da casa. Os olhos do pai de Luíza era meigos e passavam compreensão e simpatia. Colocando a mão no ombro trêmulo de Luciano, que soluçava desconsoladamente, o pai o consolou: - Você é um bom rapaz. Os outros costumam deixá-la pendurada no cajueiro. - Severino - envie agora seu comentário sobre este artigo mais severino início da página | homepage Polemikos 14outubro2001 |