Carnaval
plastificado Antigamente, o Carnaval, nossa maior festa popular, era recheado de lança-perfumes e libertinagem. Lembro da preocupação de minha mãe e obviamente de suas amigas, quando os chefes de família mais afoitos freqüentavam os bailes do Bola Preta e Mamãe Eu Vou Às Compras. Lembro também da aflição das mães pelos filhos com seus super carrões e altos teores alcoólicos. Bons tempos aqueles! Não se falava de doenças, tristezas, nada de negativo nestes cinco dias. Talvez surgisse uma gonorréia (alguém ainda sabe o que é isso?), mas já havia o bendito antibiótico para reparar os excessos. Tudo estava sob controle. Era tempo de total alegria. Tristeza só na Quarta-feira de Cinzas. Hoje, entretanto as preocupações são outras. Ganhamos a Aids como novo parceiro carnavalesco. Nesta época do ano, temos a impressão de que a doença recrudesce. A tevê nos bombardeia com campanhas, sempre de impacto, para nos alertar sobre o vírus da Aids. As autoridades sanitárias insistem em usar a época do Carnaval para divulgar a ameaça da Aids e como nos protegermos. Essa estratégia tem um risco: o povo achar que a doença é vinculada à folia, a um ou outro excesso sexual. Depois tudo volta ao normal. Infelizmente, o perigo é maior e permanente! O fato é que a doença atinge todos os sexos, os diversos segmentos sociais ... e mata. As notificações de casos de Aids estão em torno de 20 mil casos por ano. O número de pessoas infectadas no Brasil atinge 500 mil. Os casos novos diagnosticados vem aumentando nas mulheres e nos heterossexuais. Não é mais uma doença dos homossexuais. O foco da atenção hoje é a proteção das mulheres. Este ano o Ministério da Saúde vai distribuir 10 milhões de camisinhas, três milhões a mais que no ano passado. Nesta área, a invencível ciência foi batida. Para deter a Aids só se dispõe de um artefato tão primário como um pequeno invólucro de plástico elástico para separar o pênis da mucosa vaginal: a camisinha. Dez milhões de camisinhas para cinco dias de folia e estripulias dá em média uma camisinha para cada dois milhões de habitantes por cada dia de carnaval. Mas quantas relações sexuais vão rolar? Como seria se, em cada um dos mais famosos grupos de foliões, somente dez por cento resolvessem aproveitar a alegria de momo para realizar uma aventura sexual inesquecível? E tem muito bloco e banda por aí. Galo da Madrugada em Recife, Trens Elétricos na Bahia, Bandas no Rio de Janeiro, desfile de Escolas de Samba do Rio (sem contar os camarotes é claro), a moçada animada de Porto Seguro, os jovens em Olinda e os muitos outros foliões menos célebres de São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Maceió, Aracaju, Palmas, Manaus, Rio Branco... Dois milhões por dia parece pouco. Acho que não vai dar para "plastificar" tudo que deveria ser protegido no Carnaval. Talvez a intenção do Ministério da Saúde seja mais divulgar a camisinha do que tentar proteger todo mundo nesses poucos dias de folia. Falta no Brasil um programa de larga escala para colocar a camisinha literalmente ao alcance da mão de qualquer cidadão que for fazer sexo. Ela poderia ser subsidiada e colocada em pacotes de duas unidades em bares, postos de gasolina, hotéis, correios por apenas R$1,00. Mas, mesmo isso, seria insuficiente. O Brasil gasta em torno 700 milhões de reais anuais com a doença. Somente em controle e prevenção da doença gasta-se 130 milhões de reais. Evitar um novo caso de Aids é uma enorme economia de dinheiro do contribuinte e sofrimento dos cidadãos. A camisinha tem que chegar mais facilmente aos usuários. Em particular aos cidadãos das classes mais baixas e do interior do país, que é onde a doença está se alastrando. Temos que lutar fortemente para escapar das estatísticas brutais da África onde, em alguns países, os infectados são 10% da população. É fato que, em alguns presídios brasileiros, a situação já está assim. Mas achamos que isso está muito longe de nós, não é? Por enquanto, acho que a ação mais eficiente foi a limpa e brilhante (!) propaganda na tevê do sabão OMO, que mostra a camisinha, não como uma obrigação ou algo relacionado com uma doença, mas como um símbolo de amadurecimento do jovem. O filme mostra uma mãe que percebe que o filho cresceu quando encontra um preservativo no bolso de sua calça. É interessante que os garotos e meninas sejam induzidos a encararem o uso da camisinha, não como um ato de profilaxia, mas como uma conquista de sua maturidade, assim como poder entrar na boate, ter o cartão de crédito, chegar tarde em casa ... Ponto para o sabão OMO. - Tirésias da Silva - |
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