2001,
Grandes Feitos e DEfeitos
Assisti 2001, Uma Odisséia no Espaço, na sessão de estréia no Roxy, em 1968. Um deslumbre! Na juventude de meus vinte anos, Kubrick pontuou, para mim e boa parte da humanidade, que o futuro estava chegando. Nós, que assistíamos seu filme, iríamos – se a sorte nos sorrisse – assistir também a chegada do novo milênio. Seu filme era crítico e pessimista ou, talvez, premonitório. As máquinas, personificadas pelo super computador HAL9000, eram espertas. Os homens, embotados nos sentimentos, apagados pela magnífica tecnologia, quase justificavam o descarte praticado pelo psicótico HAL. Mas as imagens eram magníficas e o final, apesar de complicado, era, no fundo, otimista, prevendo uma nova existência para os seres humanos, não mais sozinhos no universo. Bem, como o tempo não liga muito para nossas expectativas, fantasias, receios; estamos no futuro. O porvir chegou sem tanto brilho. Depois de uma tarde, onde a natureza nos ofereceu espetáculo de chuva e trovoada, esperou-se a conservadora festa de fogos em Copacabana. A velha tecnologia chinesa, que encantou Marco Polo, quando as aventuras do homem pelo planeta ainda se iniciavam, encheu os céus da Princesinha do Mar. Mais de dois milhões de seres humanos se espremeram na praia para ver o espetáculo. Uma solenidade tipicamente humana. Os rostos voltados para cima, hipnotizados pelo eterno mistério do fogo, olhos cheios d’água, de emoção ou chuva. A ciência brilhou nesse final de milênio. Foram resolvidos problemas gravíssimos. Os carros, hoje, pegam de manhã cedo sem problemas. Ainda melhor, se não forem a álcool. Os pneus quase não furam mais. A bateria não exige que se ponha água de tempos em tempos. O vidro elétrico fecha muito rápido e te protege do menino de rua, que finge tentar lavar o pára-brisa enquanto fica de olho no seu relógio Swatch, que continua analógico, com precisão digital, e nos liberou de dar corda antes de dormir, que, por sinal, não era tão ruim. Esta rotina era uma maneira de ligar o hoje com o amanhã. Mas isso já é outra história. Para começar o dia, várias lâminas combinadas, tornaram menos sanguinolento o barbear. E a máquina de café, que acorda mais cedo que você, faz o café e liga seu aparelho de som. (Você podia contratar uma empregada, mas por que gerar emprego à toa?) E o som do CD é puro e sem chiados. Nunca vi uma agulha arranhar um disco CD! Em algumas áreas houve retrocesso. É no banheiro que se percebe melhor. O bidê deveria substituir o papel higiênico, mas foi substituído pela ineficiente duchinha. Olhando no espelho constata-se que a cura da calvície continua como débito da ciência. Alguns produtos já começam a dar certo, apesar de um pequeno efeito colateral: causam impotência! Que, é claro, pode ser curada pelo milagroso Viagra ou, uma intervenção radical, colocando-se uma prótese. Se bem que não falta estímulo à ereção. Além do invento do século, o eficiente "pretinho básico", as mulheres podem se siliconar ou lipoaspirar para ser, qualquer uma delas, uma excitante Gisele Bündchen. E o celular? Este permitiu que te achem e te encham o saco em qualquer lugar e a qualquer hora. Os homens são obrigados a usá-lo preso ao cinto. Aguarda-se uma solução equivalente à bolsa feminina e que substitua o ridículo cinto de utilidades masculino. Afinal, onde nós vamos poder colocar carteira, chaves, celular, agenda, revolver, escova e o batom? A energia nuclear não vingou e está sendo abandonada. É bom. Diminuiu o risco de ficarmos verdes que nem marcianos depois que um Simpson, que trabalha em Furnas, apertar o botão errado. Já o petróleo permanece como a principal fonte de energia (que disseram ia acabar nesse final de milênio) e continua poluindo e subindo de preço e tornando mais cara a gasolina. Inventaram um carro a hidrogênio, com combustível praticamente de graça. Não serviu. E como ficaria o faturamento da Shell, Exxon e da nossa Petrobrax? A medicina cura cada vez mais doenças. Por exemplo, o tomate, que antes dava cálculo renal, hoje cura até câncer de próstata. A cura da AIDS não foi encontrada. Mas, a doença movimenta bastante dinheiro para pesquisa, o que é um ponto positivo ... para os pesquisadores. Na África, a coisa é mais séria. Lá, se contrai AIDS como se pega um resfriado. Em Uganda, uma em cada dez pessoas é soropositivo. É tanta gente morrendo, que não se sabe o que fazer dos órfãos que sobram depois que os pais morrem. Mas, não se preocupem - ninguém se preocupa! - estas coisas acontecem na África. A África não existe. Infelizmente, como no filme de Kubrick, não temos um monolito que nos traga uma mensagem de esperança. Por falar em mensagem, talvez a comunicação nos ajude. Temos a Internet. O e-mail é o máximo. Vocês também podem ler Polemikos em qualquer lugar do planeta. Ou podem pedir pizza em casa sem falar com nenhum ser humano. Já o chat é um saco. Um bando de gente que não tem o que dizer, dizendo, é insuportável. E o micros ficam menores e melhores. Existe uma invenção estranha, os palmtops, umas pequenas agendas eletrônicas, que servem para passar o tempo dos desorganizados, enquanto eles fingem se organizar, brincando com seus tamagochis. É a digitalização da desorganização. A chuva continuou em Copacabana até a virada do milênio. Os espectadores da festa na praia voltaram a pé para casa. As roupas brancas molhadas, coladas no corpo. Depois de amanhã, voltamos à rotina de pagar as contas e ir para o trabalho. Chegando em casa, última olhada na tevê, eis que a Rede "Big Brother" Globo está passando 2001, Uma Odisséia no Espaço. Como o futuro é admirável, posso ver o filme deitado na cama, tevê de 29 polegadas, ar condicionado, embaixo das cobertas, a chuva lá fora... Em tempo: ano passado fiz algumas previsões. Como deve acontecer, pouca coisa aconteceu. Esse ano, preferi fazer um inventário das realizações científicas mais importantes. Feliz milênio para todos. - Ernesto Friedman - |
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