Renata Mafra colaboradora

Nem Barro Nem Tijolo

Ontem ouvia um conhecido falar horrores sobre a atuação do Tom Cruise no filme Magnólia. Ao fim do discurso inflamado, perguntei: "Você viu o filme?" Meu interlocutor simplesmente respondeu: "Não". Estupefata, eu disse: "Então em que se baseia para falar assim?" Ele respondeu: "Ah! O cara só fez coisa ruim e eu li uma crítica negativa." Irritada, argumentei que era uma missão impossível formular uma opinião sem ter ido ao cinema. Naquele instante constatei que é mais adequado conceituar os atores não como bons ou ruins, mas analisar seus bons e maus desempenhos. Um ator não tem obrigação de acertar sempre. Mesmo os monstros sagrados tiveram seus momentos desastrosos. E os medianos, quando presenteados com papéis interessantes, conseguiram se destacar. Como é o caso da atriz Lynn Redgrave, que após anos de uma carreira com papéis insignificantes, interpretou uma governanta reprimida, amarga e sem atrativos no filme Deuses e Monstros. Sua excelente atuação lhe rendeu muitas indicações e prêmios como melhor atriz coadjuvante.

É bastante complicado tentar entender o processo que leva um ator a construir um personagem. Até porque o trabalho do ator não está distanciado do seu papel de Homem. Seu ofício é artesanal. Não basta encontrar uma postura física - tem que haver a busca pela essência. A composição do personagem deve ser sólida e cada ator a concebe de uma forma. O trabalho é árduo, nem sempre prazeroso e muitas vezes devastador. Não é assim - colocou o figurino e pronto - não! Haja pesquisa, laboratório e estudo. Tenta aqui, ali, acha, perde. É o esforço da criação.

Um ator que se encaixa como um verdadeiro labutador e surpreende a cada trabalho é Matheus Nachtergaele. Ele é capaz de uma transformação completa, externa e interna, alcançando papéis antagônicos e diversos. Em um momento é o dócil e subserviente padre Miguel na minissérie A Muralha; em outro, o feroz e malvado Cintura Fina de Hilda Furacão ou o astuto e divertidíssimo João Grilo do Auto da Compadecida. A cada personagem que interpreta, ele está completamente disponível, despido, sem nenhum resquício do anterior.

Voltando a Hollywood, lembro da marcante atuação de Martin Landau como Bela Lugosi no filme Ed Wood. Ele conquistou o personagem não pelo physique du rôle, mas pela emoção, entendimento e capacidade em transmiti-lo com total verdade e transparência. Em O Piano, a atriz Holly Hunter dispunha apenas da expressão facial e corporal - sem o suporte do texto - para passar todo o desespero, dor e tristeza. Sua interpretação em nenhum momento foi apelativa ou exagerada. Tom Hanks, inicialmente considerado apenas um bom ator de comédias, teve a oportunidade de demonstrar sua capacidade dramática em filmes como Filadélfia e Forrest Gump – O Contador de Histórias.

Será então correto dizer que aquele ator é bom ou ruim? Que tal variar e de vez em quando reconhecer: "Apesar de achar fulano besta e não gostar dele, devo admitir que é um ator esforçado."

Para pensar:

"O trabalho em cima de um papel se assemelha ao da tapeçaria de Penélope. Uma interpretação não pára de se desfazer, não pára de ser retomada. Ela não está nunca - o que sem dúvida é bom – definitivamente ‘fixada’." (Jean-Jacques Roubine)


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28abril2000
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