Tirésias e o Sonho do Sistema Econômico Perfeito

Milla Kette (millakette@aol.com)
colaboradora

Mon Dieu, quanta honra: um artigo inteirinho escrito especialmente para mim, em Polemikos (http://polemikos.com/furo/fu20020623.html)! Já disse Andy Warhol que todos um dia serão famosos, nem que seja por 15 minutinhos. Assim sendo, como tão sabiamente fez o Tirésias da Silva, resolvi agarrar minha chance, arregaçar as mangas, e tecer um comentário a tamanha atenção! Começo satisfazendo-lhe a curiosidade: não só "parece", como de fato, moro nos EUA; mais especificamente "entoco-me" (tomando emprestado tão gentil termo!) em Ohio. E não tenho green-card, não: nasci aqui mesmo – na Califórnia; pra ser ainda mais específica: em Palo Alto, no período em que meu pai estudou na Universidade de Stanford. Não poderei, no entanto, honrá-lo com uma longa apreciação de seus textos, pois esse que comentarei, foi o segundo que li... O outro, "Terrorismo Gerando Terrorismo", era dedicado a atacar os EUA – e me faz questionar: quem pagou por esse trabalho de RP que ele desenvolveu?

Abordando o objeto a que se dedicou o bardo Tirésias, espero, sinceramente, que ele esteja certo: que o Lula mude sua filosofia política quando (e se) eleito! Quanto a insanidade, a meu ver, o suicídio de jovens e a lavagem cerebral que se faz nas escolas (com o gentil patrocínio da ONU) na Palestina, seriam exemplos claros e suficientes. Aproveito o ensejo e peço ao Tirésias que aponte onde afirmei que "os israelenses estão certos e não se fala mais nisso"; não consegui encontrar esse tipo de afirmação em meus textos e estou certa que ele saberá apontar em qual deles está. Ao que parece, Tirésias crê que só as dele são conclusões inteligentes, pois não se baseiam em "preconceitos" ou "superficialidades". Talvez ele se tenha entregado a "profundidades" tão imensas, que tenha perdido a... objetividade e a capacidade (oh, rimas!) de observação dos fatos que aí estão, sob nosso nariz, diariamente. Eu creio que burrice está na presunção dos que pensam que sabem mais. Exponho minha opinião sobre o que ocorre no mundo; aos donos da verdade, deixo que mergulhem na polêmica e chafurdem na complicação que criam ao "interpretar" fatos!

Sinto que Tirésias não se tenha aprofundado mais nas tais "regras", para as quais os americanos, segundo sua linguagem tão colorida, "cagam". Talvez, num outro texto em que se dedique a analisar minhas palavras mais detidamente ainda? Aguardaremos – impacientemente, bien sure! Quanto a privatização, feita à base de safadeza, é receita segura pra dar errado. Para mim, um funcionário que sabe que jamais será despedido, não pode ser comparado em eficiência, desempenho e qualidade a um que precisa apresentar um bom trabalho a fim de permanecer empregado – daí a vantagem do setor privado, principalmente para o cidadão que paga impostos. A França e o Canadá são economias extremamente socialistas, portanto, um exemplo infeliz. A idéia que ele faz de Capitalismo é de entrega – como no caso que cita, que desconheço, de um estaleiro sendo construído no Brasil por empresa baseada em Singapura. Mas para o Capitalismo existir, é preciso muito suor e trabalho duro. Por isso, para os que não são chegados à práticas laboriosas, ser funcionário público é a glória.

Tirésias reclama que não me aprofundei no caso Enron, o que fiz por um motivo simples: foi um mero exemplo. Interessante, ele não se interessou por um outro exemplo – o sistema de aposentadorias dos US, que quebrou por incúria de funcionários públicos e politicagem! Enron não tem absolutamente nada a ver com Capitalismo, mas com desonestidade e conduta irregular. O fato que Enron era uma empresa privada, fez com que a implosão atingisse apenas seus funcionários e acionistas. Quanto maior o coqueiro, maior a queda, diz a sabedoria popular. O fundo de aposentadorias do governo é um rombo inimaginável e, o que é pior, no bolso dos cidadãos que pagam os impostos que deviam ir para o fundo, mas são usados para cobrir outros rombos! Enron não. Sinto muito que seus empregados e acionistas sofreram as conseqüências, mas essas foram numa escala diminuta, se comparadas às que desencadeiam um órgão governamental. Mau-caratismo e corrupção não ficam do lado de fora da porta, porque se está sob a tutela do Estado! E o caso Enron, diferente do que Tirésias afirma, está sendo estudado por uma comissão do Congresso e o envolvimento do presidente é delírio dele (wake up and smell the coffee!). Todo cidadão é inocente até prova em contrário; especulações, suspeitas, disse-me-disse, suposições, não são prova. Segue um link para quem quer conhecer fatos: http://financialservices.house.gov/search.asp.

Agora, suponhamos que Bush tivesse conhecimento do problema; se houvesse comentado na TV, imaginem o que teria acontecido com o mercado de ações! Tanto Republicanos quanto Democratas receberam dinheiro de Enron em suas campanhas, como recebem de inúmeras empresas e cidadãos (eu mesma contribuo com o partido Republicano), pois é um direito. Talvez Tirésias necessite aceitar o fato que não há sistema econômico ou político perfeito, simplesmente porque o ser humano é imperfeito, e que liberdade tem um preço: responsabilidade. Aposto que ele nega que a tomada do poder pelos militares em 64 foi para acabar com os reds (aconselho a leitura do texto de Sandro Guidalli, Jornalismo e Ignorância). Arrisco mais um palpite: Tirésias deve ser daqueles que acredita que mais leis coibirão Enrons de acontecer. Obediência e reforço das leis já existentes não é suficiente; a solução não estaria na qualidade, mas na quantidade de leis...

Quanto a "luxo da civilização americana" (creio que ele refere-se aos EUA), Tirésias confundiu alhos com bugalhos, mero conforto com luxo. O livro de Dinesh D’Souza, What is so Great about America (1), é uma boa pedida para amansar a tal da ignorância dos fatos... Nos EUA, pobre tem calefação, forno de microondas e máquina de lavar, sem contar carro e telefone. Isso não é luxo, mas conforto. Em verdade, vos digo: o problema encontra-se no lixo que alguns carregam na cachola e não os deixa ver que distribuição de renda, função social de imóveis, escola "plural" y otras cositas más, são sinônimo de comunismo! Por essas razões, o vento leva os dólares do Brasil: o investidor internacional não é tatu e não quer perdê-los quando a tal da função social do imóvel dos cidadãos começar sua vigência! E, para finalizar: o que teria acontecido se Enron fosse a Petrobras e os que pagam impostos, os perdedores, ao invés dos poucos que investiram na empresa por vontade própria?

(1) O 1o capítulo desse livro foi publicado no NY Times de 7 de julho: http://www.nytimes.com/2002/07/07/books/chapters/0707-1st-dsouz.html


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09agosto2002
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