tiresias da silva

Travessuras da Menina Má
Mario Vargas Llosa
2006, Alfaguara

Grandes amores dão boas histórias. Quando o encontro dos amantes é difícil, o livro fica mais atraente ainda. Foi por aí que o conhecido escritor Vargas Llosa enveredou. Com 70 anos, ele escreveu o que definiu como seu primeiro livro de amor. Parece que a tarefa foi mais difícil dessa vez do que quando ele abordou outros temas de sua bem sucedida carreira. Sou fã de “Guerra do Fim do Mundo”, onde ele nos conta parte de nossa própria história quando romanceia a Guerra de Canudos. É livro eletrizante, caso de se usar nas escolas para falar de nosso povo. Descreve com precisão o poder dos coronéis, a influência da religião, numa aventura de tirar o fôlego. Nosso Nordeste, como sempre, se presta bem para mostrar com tintas fortes o retrato do brasileiro.

O livro Travessuras da Menina Má conta a história do peruano Ricardo Somocurcio. Começa nos anos 50, quando ele esbarra, ainda menino, na falsa “chilenita” Lily e se apaixona instantaneamente. Este amor lhe arrebata e lhe acompanhará (ou perseguirá) por toda a vida. Ricardo segue a carreira de tradutor e consegue realizar seu maior desejo, que era “ir viver em Paris”. Llosa usa os encontros e desencontros de Ricardito e sua Menina Má para nos contar um pouco da história do século XX. Como pano de fundo do romance dos dois protagonistas, surgem as mudanças políticas do Peru, a guerrilha em Cuba e a Londres hippie dos anos 70. O desafio enfrentado por Llosa parece ter sido demais. As aventuras distribuídas geograficamente poderão ser úteis na futura produção de um filme de penetração internacional. Uma imagem de um campo de treino em Cuba vai fotografar muito bem. Mas, no livro, as viagens de Ricardo, atrás de seu amor, soam apressadas. Claro que descrever passeios e lugares de Paris é sempre agradável. No que se refere ao tema central do livro, a tarefa foi hercúlea e derrotou o escritor. A força do amor de Ricardo é fácil de ser sintetizada como “irresistível”. Entretanto, mais difícil é justificar ao longo do livro a entrega total que consome a vida de Ricardo. A paixão parece forçada. O contraponto entre a vida de Ricardo, tranqüila e pouco ambiciosa, e a busca frenética pela aventura e riqueza empreendida pela Menina Má, criam tensão para o romance, mas soa ligeiramente falso. Falta substância e sobra o esforço para colar os desdobramentos dos encontros daqueles amantes incertos.

Que se destaque a figura sórdida escolhida por Vargas Llosa para o relacionamento de sua Menina Má com um escroque japonês. Não poderia ser de outra forma. O Peru sofreu a experiência de ser governado por um japonês, Alberto Fujimori, que ganhou a eleição presidencial concorrendo com o próprio Vargas Llosa. Fujimori esculhambou o país e teve de fugir acusado de corrupção. Foi se esconder nos braços de seus camaradas nipônicos. O sofrimento da Menina Má em sua temporada no Japão, hipnotizada e dominada por um traficante japonês, é metáfora interessante e eficiente para o período de ilusão dos peruanos com o oportunista Fujimori.

A competência de Mario Vargas Llosa para escrever é notória. O texto é certo. Dessa vez, faltou o molho. Não bastava dizer que era um amor impossível. Precisava nos convencer da irreversibilidade daquele amor. Se isso fosse feito, Menina Má seria antológico.


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03fevereiro2007
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