Senhores: Peço desculpas aos melodramáticos, mas a tragédia americana de 11 de setembro não me sensibiliza tanto assim. As imagens belíssimas – há beleza dentro da estética da destruição – que a mídia americana usa para mobilizar o povo americano, depois do excesso de repetições, já me causam tédio. Sabemos que o objetivo maior desses rituais de sofrimento é por a opinião pública americana mais favorável a uma tão anunciada invasão do Iraque. Também devemos lembrar que este ano tem eleição nos EUA e os republicanos liderados (?) por Bush não podem perder a oportunidade de emocionar o público e buscar votos.
E o que eu tenho a ver com isso? Não faço parte da corte. Não tenho green card. Não vivo nos palácios de Washington. Por que os problemas dos americanos têm que sobrar pra mim? Tenho que sofrê-los em tempo real, ao vivo e em cores? O ataque terrorista do ano passado faz parte dos custos de ser o centro do poder mundial. Boa parte do que a humanidade está vivendo hoje, seja para o bem ou para o mal, é definida pelos EUA. Sua economia determina o que devemos consumir. Quando sua economia freia, nossos vagões se esborracham e países quebram. Quando eles disparam na fartura, costuma sobrar algumas migalhas para os vizinhos. Em tempo: somos um desses vizinhos necessitados. Poderosos e arrogantes, os EUA não olham pro lado na hora de decidir seu caminho. Eventualmente, passam por cima de países menos avisados, às voltas com problemas menores, tais como, economia fraca, corrupção, traficantes de drogas como um poder paralelo, astronômicas dívidas interna e externa e outras mazelas dos menos dotados. São protecionistas quando lhes interessa e pregam o livre mercado se lhes é oportuno. Se vale a pena para as empresas que elegeram Bush aumentar poluição para ter mais lucros, danem-se os protocolos de Kioto ou seja lá qual for a iniciativa de preservação do meio ambiente, os EUA vão poluir com desenvoltura. Como guardiães da humanidade, os EUA ditam o modelo de governo e economia que o mundo deve seguir. O FMI, por exemplo, serve para zelar pela imposição do receituário econômico aos menos favorecidos. Se o remédio der errado, problema do paciente. Com relação aos governos, os EUA aplicam suas regras com flexibilidade, conforme seus interesses. Por exemplo: à Cuba, toda cobrança de democracia; à ditadura da Arábia Saudita, nadando no precioso petróleo, toda compreensão pelo regime absolutista da família real. Um belo exemplo de dois pesos, duas medidas.
O fato é que os EUA sofreram gigantesco revés em 11 de setembro de 2001. Depois, em retaliação, destruíram um país: o Afeganistão. Porém, até hoje, não conseguiram encontrar os extremamente competentes mentores do atentado. Os terroristas foram completamente bem sucedidos. Colocaram os EUA em pânico, paralisaram o país, mudaram o mundo, chacoalharam a economia mundial, transformaram viajar de avião em um sofrimento e acabaram com a falsa sensação de segurança em que vivíamos. Apesar de todo o poder e tecnologia, os americanos não conseguiram prender nem mesmo quem enviou as cartas com antraz que mataram cinco pessoas.
Fico assistindo enfadado o ritual do topo do mundo chorando seus mortos. Toda a pompa não me contagia. Tenho pena dos infelizes que morreram, mas eles morreram muito longe de mim e de meus problemas tão próximos. Eles não conheceram balas perdidas ou guerra do tráfico. Estou de saco cheio de ver os poderosos se lamuriando. Meu problema está aqui e foram criados pela incompetência dos meus poderosos. Não precioso chorar pelos poderosos de além mar. O desequilíbrio social no Brasil está no limite. Talvez o 11 de setembro de 2002 seja realmente relevante para o Brasil, mas em virtude da rebelião que explodiu no presídio Bangu I. Ali, o crime se organiza e ocupa descaradamente o vazio de poder deixado pelos governos medíocres que se sucedem. Pode ser que nossa versão de 11 de setembro esteja por chegar. Qualquer dia um morro desce e cria uma tragédia no asfalto. Já desceu, mas ainda não chegou à Zona Sul. A tragédia de Tim Lopes foi pouco para mobilizar o país. Esperamos que nosso Bin Laden, cujo nome é Fernandinho Beira-Mar ou Elias Maluco, não seja tão eficiente como os terroristas árabes.
– “As exigências justas de paz e segurança serão cumpridas, ou uma ação será inevitável. Não podemos ficar de braços cruzados sem fazer nada enquanto os perigos se acumulam.” Quem fez esta afirmação, infelizmente, não foi um governante brasileiro preocupado com o problema do poder paralelo do tráfico, foi o presidente Bush se referindo ao Iraque.