O Golpe das Carteiras de Estudante

e a população é treinada para tirar vantagem em tudo

O assunto vem sendo discutido há bastante tempo. Há uma quase unanimidade sobre a necessidade de alteração da lei, entretanto pouco se avança em ações efetivas. O fato é que a instituição “carteira de estudante” está falida. É uma grande farsa seu uso para obter a “meia-entrada” em shows e outros eventos. É um engodo generalizado em que alguns têm lucros (os emissores de carteirinhas) e a população em geral perde, ludibriada pela falsa impressão de pagar menos nos espetáculos.

O assunto carteira de estudante serve para exemplificar como é difícil se decidir alguma coisa no Brasil. Desde 2001, quando a emissão de carteiras deixou de ser exclusiva da UNE, o negócio tornou-se lucrativo e a solução que já sofria críticas, se degenerou por completo. A Jovem Pan faturou cerca de 4 milhões de reais emitindo 130 mil carteirinhas. Até a Skol emite carteiras para os bebedores da cerveja. A proliferação do documento gerou uma reação óbvia e previsível: os preços de cinemas, shows e casas de diversão foram majorados. Funciona assim: todo mundo arranja uma carteira, fica achando que é esperto e que paga mais barato, mas o preço é aumentado para compensar a meia-entrada, e todos pagam é caro mesmo. Existe um porém: aquele que não se dispõe a obter uma carteira fica sendo o otário que vai pagar sempre mais caro por entradas de cinema ou outros shows.

Além dos desvios de preços provocados pela disseminação de carteiras de estudante, há uma perda maior para nossa já combalida sociedade. As pessoas são estimuladas a falsificar ou obter carteiras para obter descontos. É a propaganda subliminar de que “vale tudo” e que uma pequena ilegalidade pode ser praticada sem culpa. Este treinamento para a falsidade ideológica, para as práticas ilegais, é um dano de largo alcance que vem junto com o uso de carteiras por não estudantes. Cada vez é mais comum encontrarmos pessoas abastadas se reduzindo a mediocridade de fazer uma carteira de estudante para pagar meia nos cinemas.

A rigor, a carteira de estudante dar desconto é inconstitucional. Por que o trabalhador deve ser tratado diferentemente do estudante? O trabalhador jovem também deveria ser estimulado a consumir cultura com preços reduzidos. O estudante de escola pública e privada deve ser tratado da mesma maneira? Anestesiados pelos falsos ganhos, ninguém quer discutir o assunto. Há solução simples para o problema. Não podemos dizer que somos originais em propô-la. O deputado estadual Wanderlê Correia, de Sergipe, propôs o pagamento da meia-entrada para jovens de até 21 anos de idade, que nos debates da câmara do estado foi estendida para a idade de 24 anos, em virtude de ser esta a idade do primeiro emprego para os estudantes. Por que não adotar solução tão simples? O desconto definido pela idade é muito mais democrático. Os jovens seriam favorecidos e motivados para os programas culturais com preços inferiores. Deixaríamos de favorecer aquele que tem recursos para investir na educação enquanto deixamos os que têm que trabalhar para viver pagarem o preço cheio. Seria de fácil controle, já que todos têm o documento de identidade. Descontos para detentores de carteiras de estudante ou quaisquer outras ficariam a critério do comércio.

Na “Zona Brasil” a que chegamos, carteiras de estudante podem parecer assunto sem importância, mas elas são um sintoma a mais. Mais um sintoma entre tantos!

Elsa e Fred – Um Amor de Paixão [Elsa y Fred] de Marcos Carnevale

Elsa e Fred, foto imdb.com

Os argentinos continuam de sacanagem com o cinema brasileiro. Estão humilhando! Sem se preocuparem em fazer grandes produções, eles mantêm a rotina de fazer bons filmes, utilizando bons roteiros. É por aí que eles expõem nossa incompetência para fazer cinema. Continue lendo “Elsa e Fred – Um Amor de Paixão [Elsa y Fred] de Marcos Carnevale”

Vamos discutir, droga!

Aproveito a deixa. O tema da descriminalização das drogas voltou à agenda de discussão. Arnaldo Bloch, em sua coluna semanal de O Globo, comentou o assunto há cerca de duas semanas. Chico Buarque, na entrevista sobre seu novo disco, também abordou a necessidade de retomar a discussão sobre o problema das drogas no Brasil. O deputado Gabeira costuma abordar o assunto. É auspicioso que eles tragam o tema para o debate. Infelizmente, em geral, o assunto drogas é tratado entre a hipocrisia e histeria. Continue lendo “Vamos discutir, droga!”

Por que é tão difícil conseguir nota fiscal na Mr.Cat?

resposta: é difícil em todo canto!

Sempre é a mesma coisa. Um sapato lhe chama atenção na vitrine, você entra na loja, vem o vendedor sorridente, você escolhe o que quer, experimenta, decide levar. Parece tudo normal. Aí começa a manobra. Continue lendo “Por que é tão difícil conseguir nota fiscal na Mr.Cat?”

O Valor do Amanhã [Eduardo Gianetti, 2005, Companhia das Letras]


Durante a vida humana, somos expostos a tomar infinitas decisões, muitas delas se encaixam no problema de escolher entre desfrutar algo hoje ou esperar para saboreá-lo amanhã. Este problema, inerente ao transcorrer da vida na linha do tempo, é abordado com profundidade e elegância no livro O Valor do Amanhã, do economista e filósofo Eduardo Gianetti. Continue lendo “O Valor do Amanhã [Eduardo Gianetti, 2005, Companhia das Letras]”

Garota de Ouro [Million Dollar Baby] de Clint Eastwood

garota de ouro, foto imdb.com

clint eastwood embarca na pieguice

O cinema americano desandou. Fiquei estupefato com o filme de Clint Eastwood. O eterno mocinho do faroeste espaguete sabe muito de cinema. Ele não veio para inventar, mas suas obras, com particular destaque para Imperdoáveis (Unforgiven), mostram que o homem entende do ofício e está bem posicionado como produtor e diretor de filmes – como dizer? – arrumados. Pois é, a idade bateu. O velho Clint dá sinais de caducar. Seu filme Garota de Ouro (Million Dollar Baby) é quase ruim. É um show de pieguice e lugares comuns sentimentais em filme pré-fabricado para atender aos critérios da disputa pelo Oscar. Clint abusa das fórmulas para fazer filme para o povão americano, apelando de todo jeito. Dessa vez ele radicalizou. Se filme mostrando sagas de vencedores faz sucesso, se filmes tratando de deficientes físicos toca o coração e a carteira do público, por que não juntar as duas coisas? O diretor faz isso com uma mão tão pesada que chega a dar constrangimento em quem tiver um mínimo de senso crítico e não se entregar às armadilhas vulgares que ele utiliza para extrair lágrimas da platéia. Os sintomas do golpe engendrado pelo ambicioso diretor são óbvios. Ele cria um trio de alta receptividade para as platéias. Um é o próprio Clint Eastwood, atuando bem como o treinador Frankie Dunn, cheio de culpas com a filha – ou seria um diretor de cinema cheio de culpa com o produto do seu trabalho? – que encontra a filha que todo pai queria ter. Tem também o sempre correto Morgan Freeman, como o coadjuvante que amarra as situações e faz a história andar. E tem a menina de ouro, Hilary Swank, fazendo a lutadora de boxe Maggie Fitzgerald, que é o melhor do filme. Swank tem uma beleza estranha, às vezes rude, às vezes terna, e defende seu pesado personagem com garra extraordinária, tornando-o minimamente assistível. A atriz é realmente uma força da natureza. Lembram de Meninos Não Choram (Boys Don’t Cry), onde Swank é um menino? Seu rosto anguloso lhe deu agora os recursos necessários para encarar o papel de boxeadora. A atriz não baixa a guarda em nenhum momento da interpretação. Já levou o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Drama. Swank põe na sombra até Morgan Freeman, que não é bobo e soube se colocar no canto do ringue, garantindo o brilho como coadjuvante.

E a história? Se você está com problemas e quer se entregar à terapia da emoção e choro livre, vá fundo. Conforme o filme se encaminha pro final, Clint Eastwood, arrebenta a boca do balão e mergulha na tragédia. Ele simplifica o mundo e produz falhas graves de aderência à realidade. Passa por cima da lógica, talvez por falta de tempo, produz um final de filme que oscila entre o seríssimo e o ridiculamente sentimental. Mas o que está valendo é jogar a emoção da platéia na lona e obter os votos da Academia do Hollywood. Este é o jogo sujo do diretor. Ele pode ver o público americano como um bando de espectadores embotados que precisam de doses cavalares de adrenalina para sair do coma de um povo que elegeu Bush por uma segunda vez. Mas, para alguém semidesperto, a presepada pomposa do filme é torturante. Tirando o trio ternura central, o resto dos personagens são um desfile de caricaturas. A cena do hospital, com a família gulosa da lutadora, é constrangimento para se ruborizar e virar o rosto. A musiquinha de fundo, feita para dar o tom da lágrima que corre, vira o estômago. Resumindo, é pura apelação.

Para não dizer que não há mais nada a se falar sobre o filme, ainda há comentário negativo a ser feito. O treinador passa a sua pupila a preocupação com “se proteger todo o tempo”. Isto é parte central do enredo. Esta ênfase em se proteger parece coisa liminar ou subliminar do medo americano de hoje. Eles estão certos que se descuidarem e olharem pro lado, qualquer subdesenvolvido pode violar uma regra e fazer uma bomba nuclear. Sei não. Essa mensagem do filme pode ser produto da mediocridade de visão do mundo que a sociedade americana tem hoje, pode ser minha paranóia intelectualizada ou pode ser o Alzheimer que chega para Eastwood.

[Ernesto Friedman]
Copyright © [Polemikos]. Todos os direitos reservados.