O Túnel
Ernesto Sabato
2000,
Companhia das Letras

A Argentina está passando por uma grande crise. E podemos encontrar, aqui no Brasil, quem não se importe ou até mesmo torça pra que eles tenham dificuldades. Isso é uma estupidez, assim como é uma grande bobagem essa rivalidade entre os dois países, rivalidade esta, tão alimentada pela mídia.

Depois de viajar muito pelo mundo, aprendi a não classificar, de forma genérica, nenhum povo. Isso não faz sentido. São todos seres humanos e como em todo lugar, esse grupo é muito heterogêneo. Tanto faz, na Argentina, na Alemanha ou no Brasil, encontramos pessoas boas e más, honestas e desonestas, alegres e mal humoradas. Enfim, tenho bons amigos na Argentina e gosto muito deles.

Além do mais, não temos como negar que há duas coisas, pelo menos, em que eles são melhores que nós. A primeira delas é a carne. Sua textura e seus cortes são muito superiores aos nossos. Nenhuma picanha nossa consegue se igualar a um bom bife de chouriço ou um assado de tira.

O outro ramo no qual eles são superiores, ao menos atualmente, é o futebol. Não há como fugir dessa realidade, por mais que ela nos doa. Basta olhar nosso meio-de-campo defensivo que tem como símbolo atual o jogador Émerson, enquanto eles têm um volante da estirpe de um Verón. Isso sem falar em Galhardo, Ortega, Crespo ou Batistuta. A fase do futebol argentino é tão boa, que eles podem se dar ao luxo de ter alguns desses jogadores na reserva, em sua seleção. Estou convicto que torcerei pela seleção Argentina, caso o Brasil seja desclassificado, já na primeira fase.

Há outro tema, entretanto, em que não ficamos devendo nada aos argentinos, mas no qual eles têm excelentes representantes. Estou falando da literatura. A Argentina tem gênios da escrita como Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, que não devem nada a um Jorge Amado ou um Érico Veríssimo. E é sempre bom descobrir um outro autor, sobretudo de língua espanhola, já que aqui no Brasil eles têm tão pouco espaço na mídia. Estou falando de Ernesto Sabato.

Acabo de ler o seu livro O Túnel, escrito em 1948 e lançado no ano passado, pela Companhia das Letras. Apesar de tão antigo, a trama poderia ter se passado nos dias de hoje. O livro fala sobre o ciúme e o quanto esse sentimento pode inibir as manifestações de amor. Aliás, o livro quase não fala do amor entre seus personagens, porque o ciúme é tanto que o sufoca, fazendo-o ficar em segundo plano.

O livro me fez pensar. Por que o amor tem de ser exclusivo? Por que é que não se pode amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Por que é que pelo fato de eu me interessar por outra pessoa, devo deixar de amar quem estou amando? Será que isso tem que ser tão automático assim? Por que é que o amor tem que vir sempre acompanhado dessa sensação de posse? Por que ele não pode ser múltiplo?

Acho que pode. O amor pode ser múltiplo. É possível amar mais de um filho, é possível amar mais de um amigo, é possível amar mais de um homem, é possível amar mais de uma mulher. Cada um do seu jeito, com sua intensidade, de uma forma diferente. Aliás, não se deve comparar o amor. Não há amor maior do que o outro. Não dá pra perguntar a uma criança se ela ama mais o pai ou a mãe. Isso não tem importância. O importante é amar.

Mas as pessoas não aceitam isso. As pessoas querem o poder, ao invés do amor. Querem a posse, ao invés da confiança. Querem ter, ao invés de usufruir. E isso faz com que elas abram mão da felicidade em troca do domínio. Acabam não aproveitando todo o prazer que o amor pode proporcionar porque estão preocupadas em preservar seu controle.

É de tudo isso que o livro trata, de forma crua e direta. Mostrando como uma pessoa pode ser levada ao limite por causa do ciúme. Como essa pessoa pode abrir mão de viver um amor plenamente e como o ciúme pode levar à tragédia.

Tenham calma. Não estou contando o fim do livro. Estou contando só o começo. Estou contando só a primeira frase do texto que é: "Bastará dizer que sou Juan Pablo Castel, o pintor que matou María Iribarne." O resto da história está no livro. Muito bem escrito, aliás. Vale a pena ler.

- Arnaldo Heredia -

 

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24novembro2001
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