O Décimo Primeiro Mandamento

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Deus aproveita visita do Papa ao Brasil e fala diretamente a nosso colunista


Estava zapeando na tevê quando Deus apareceu para mim. Eu pulava de um canal para outro, quando surgiu na tela da televisão um velhinho de longos cabelos brancos, vestindo bata branca, olhando firmemente para mim. Era mais que olhar para a câmera, ele olhava para mim! A nitidez da imagem chamava atenção. Parecia que ele estava fora do aparelho. Para minha surpresa, o idoso disse em voz poderosa: – Sebastião Agridoce, estou aqui para lhe falar. Incrível, pensei com meus botões, como a tecnologia de televisão interativa se aprimorou. Agora, eles nos chamam pelo nome. Respondendo aos meus pensamentos, o velho acrescentou: – Eu sou Deus e vim para lhe falar. Fiquei perplexo. Concluí que os espertos da televisão decidiram testar a nova interatividade com uma pegadinha de gosto discutível. Vai que eu fosse religioso? A brincadeira seria de muito mau gosto. O velho de olhar simpático continuava sua conversa com meus pensamentos. – Está bem, está bem, sempre tenho que fazer algum milagre para encurtar as apresentações. No mesmo instante, minha sala se alargou, as paredes se deformaram, surgiu um cenário amplo, com gramado, árvores ao fundo e pequenos cervos passeando. O céu era azul com nuvens bem desenhadas que completavam o equilíbrio do quadro. A cena era como um santinho de igreja produzido pelos estúdios Walt Disney. Era piegas, mas tinha qualidade. O diretor de fotografia era excelente. O súbito aparecimento do enorme espaço aberto me provocou tonturas. Meu queixo caiu, escorreguei para a beira do sofá com a sensação que ia desfalecer. O ar fugiu dos pulmões. Deus olhou para cima, enfadado, fez um muxoxo de conformismo e imediatamente estávamos de volta a minha velha e aconchegante sala de tevê. Os pulmões voltaram a funcionar normalmente. Num tom grave, Deus perguntou: – Tenho sua atenção? Tinha. Com enfáticos movimentos de cabeça confirmei minha condição de total abestalhamento. Podia ser um farsante, mas mostrava grande capacidade de promover espetáculos em 3D. Do fundo de minha ousadia, arranquei forças para inquirir aquela entidade: – A imagem de um velhinho não é muito óbvia para representar Deus? O velho sorriu. Tinha bonita dentadura. Ele pareceu gostar da impertinência de sua criação. Algo semelhante à condescendência do dono do cachorro quando ele se recusa a ir pegar mais uma vez o osso atirado longe. E explicou: – Sebastião, se eu viesse na figura de uma mulata, do tipo sambista de escola de samba, vestindo um biquíni de brilhos prateados, você me daria atenção? Argumento irrefutável. Pensei um “não” bem forte para que a telepatia divina escutasse minha resposta. Ele escutou. Emendou: – Vamos ao que interessa. Sebastião, você foi o escolhido para ter contato coMigo. Para sua compreensão, apesar do pouco que poderá entender do que está em jogo nesta especial visita, lhe informo que foi selecionado num sorteio mais difícil que ganhar na MegaSena. De tempos em tempos – para Mim é como um instante, mas para os humanos podem parecer épocas – apareço para dar uma orientação direta aos de sua espécie. Escolho um sujeito absolutamente comum, encare isso como elogio, e converso com ele. Uso essas ocasiões para dar um feedback ao homo sapiens. São correções de rumo no projeto geral do universo. Há alguns milhões de anos injetei uma pequena mudança química num primo antigo do chimpanzé. Gerei vocês, com sua distinta consciência, que derivou em evolução da inteligência. Vocês produziram resultados curiosos. Pense na singeleza do olhar da paixão do primeiro amor, a trufa de chocolate e o gol olímpico. Meu rosto mostrou ainda mais admiração. Deus interrompeu seu discurso para esclarecer. – Sebastião, não fique com esta cara de idiota. Uso exemplos sintéticos, metafóricos, apenas para quebrar o gelo da conversa. Continuando: a consciência trazia embutida a capacidade de entender muita coisa e – aí está o cerne do nosso problema – a incapacidade de entender outras. Vocês não conseguem entender a própria existência. Eu podia ter resolvido isso no começo com um outro modelo de pensamento, com um cérebro melhor, mas o escopo do projeto era este mesmo. O fato é que vocês não entendem o que são. Não vim para dar respostas de mão beijada. Vim dizer o que vocês NÃO são. Vocês não são resultado da criação de Deus nenhum, nem devem nenhum tipo de obediência ou adoração a ele ou eles. Religião é somente uma seqüela da consciência. Vocês dão atenção indevida às divindades, e isto é um entrave ao seu desenvolvimento em direção a Mim. Pelo olhar embaçado que você mostra, seus pensamentos devem estar embaralhados. Como Eu, o próprio e certo Deus, afirmo e solicito que você não acredite em Mim? Isto é um paradoxo. Saiba que um paradoxo, no meu nível de onisciência, é de uma simplicidade e linearidade ululante. Deixemos estas questões lógicas mais complexas de lado. Sintetizando: Vocês podem devotar suas preciosas vidas à vontade, adorando divindades e outros assemelhados. Minha única e forte recomendação – imagine o quão incisivo eu sou quando faço fortes recomendações? – é que “não aceitem intermediários!” É tão simples quanto. Trago uma regra sábia, perfeita, vinda dos lábios dEle. Que cada um cuide de sua opinião sobre Deus. Se bem o desejarem, que Ele seja cultuado e adorado. Mas essa prática é pessoal, é individual. De jeito nenhum aceitem a tutela de falsos representantes meus. Não forneço franchising de minha marca. Assim como as companhias telefônicas de sua época, não tenho cobradores domiciliares para contatarem diretamente os fregueses. Sou um conceito pessoal e intransferível. A nova lei de “não aceitar atravessadores” será o décimo primeiro mandamento de Moisés ou um capítulo a mais no Corão. Apesar de ser o criador do livre arbítrio, ordeno que não aceitem representantes meus. “Só tratem esses assuntos diretamente coMigo. Se meu helpdesk estiver ocupado, usem o bom senso.” Se errarem, saboreiem o prazer de haverem tentado. Nada mais nobre. Bem, Sebastião, a conversa ou, melhor, meu monólogo está se prolongando demasiado. Os contatos coMigo são muito estressantes para a constituição física de vocês. Por favor, feche a boca que está escorrendo baba pelo canto dos lábios. Você não sabe ainda, mas escreverá um pequeno artigo sobre minha magnífica visita. Alguns vão ler e … bem, essa já será outra história. Como última recomendação, preste atenção na saúde. Toda aquela cachaça que bebeu prejudicou muito seu fígado.

O velho de olhar penetrante desapareceu. Fiquei ali, prostrado. Deus usou seu infinito sendo de humor. A televisão voltou ao normal. Exibia um pastor dessas igrejas que controlam televisões. Ele vociferava sobre demônios, pecados e descarregos. Acionei o botão “off” do controle remoto. Naquele momento, comecei a pensar em parar de beber.

2 comentários em “O Décimo Primeiro Mandamento”

  1. hahahahahha…
    comédia… o.O?
    hhhhhhhhhh…
    Ió Deus vm pela TV agr o.OI
    puts gril !!!
    hhh adorei d++++
    verdade ou mentira?
    Deixa quetu :D

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