Homem do Ano Polemikos de 2000

No início de janeiro deste milênio convocamos nossos leitores a indicar personalidades brasileiras para compor o panteão dos agraciados com o magnânimo prêmio de Homem e Mulher Polemikos do Ano 2000. Aquele ano que passou, lembram? A resposta de nosso eleitorado foi rápida e, num enxurro, entupiu nossa bandeja de entrada. Dos centenas de e-mails enviados, nos chegaram quase meia dúzia que, se não significam um aporte quantitativo de monta, nos ajudaram a montar o retrato de nossa sociedade, que são os Polemikos do Ano 2000.

Como sempre, sem preconceito, começamos pelos homens. As indicações ficaram no esperado. Guga, o melhor do mundo do tênis em 2000, é o novo atleta sublimador de nossas ambições de raça. Pela sua enorme simpatia, ausência da hipocrisia típica dos recém famosos e abrangência limitada ao esporte, Guga foi liberado de receber nosso insigne honraria. Ele agradeceu penhorado. ACM, como um Tom Hanks de nosso concurso, apareceu como forte candidato a ganhar o prêmio pelo segundo ano consecutivo. Suas pretensões, no entanto, naufragaram. As escaramuças de ACM com FHC. Esta dupla caipira que preenche nosso noticiário de rusgas e carícias, como casamento velho, não conseguiram levar nenhum dos dois ao pódio. Note-se que FHC, mais calado que nos outros anos, por isso mesmo teve melhor discurso e chegou a ser apontado pelo conjunto da obra. Chegou perto.

Bem. Chega de delongar a apresentação do nosso vencedor. Na categoria masculina, o caráter (ou falta de) ousado, surrupiante, ilicitamente enriquecedor, foi a tônica das personalidades de destaque em nosso país. Nomes cacofônicos, como Estevão, Nicolau, Barbalho, Eurico Miranda torturaram nossas leituras diárias dos jornais. Assim, a corrupção brilhou por todo o ano. O escolhido para representar este substantivo feminino tão masculinizado em nossa terra foi … o mestre juiz Nicolau dos Santos Neto, Homem Polemikos de 2000. Sem dúvida um artista. Nosso Harry Potter da corrupção sumiu com 100 milhões de reais dos cofres públicos. Sua desfaçatez, comprando carros esporte de luxo e apartamentos milionários em Miami (só pelo mal gosto da escolha da cidade já merecia ir para prisão), estabeleceu um padrão de riqueza ilegítima a ser perseguido pelos outros tratantes brasileiros. Nicolau é um paradigma. O mago fugiu de ser preso, ficando invisível durante todo o ano, mantendo-se na mídia e se tornando símbolo da luta do governo contra a corrupção. Luta esta, vale lembrar, conduzida com pouco afinco e sucesso. Sua reentrada, entregando-se à polícia no final de 2000, foi triste pantomima passada pela tevê. Idas e vindas de hotéis carcerários, membros da família (ou quadrilha) circulando cabisbaixos, aparentando sofrimento, mal escondiam a única vergonha que carregam: terem sido pegos.

O Golpe das Pirâmides (ou Correntes)

de tempos em tempos, as correntes reaparecem para enganar os trouxas

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Na década de 70, na Puc do Rio de Janeiro, de vez em quando aparecia uma “corrente”. O que era a corrente? Era simples. Um colega aparecia dizendo que descobrira uma maneira de ganhar dinheiro fácil. Ele te mostrava uma folha datilografada onde estavam listados os nomes de 10 pessoas, numerados de 1 a 10, com seus respectivos endereços. O nome do seu amigo estava no décimo lugar na lista. Para entrar na “corrente” você deveria pagar, digamos, R$10,00 a seu amigo e enviar um cheque postal (quer dizer: enviar dinheiro pelo correio) de R$10,00 para o primeiro nome da lista. Depois, apagava o nome do primeiro camarada da lista e passava o segundo da lista para a primeira posição. Da mesma forma, adiantava o nome de todos da lista, avançando um lugar em direção ao primeiro. Assim, o terceiro virava segundo, o quarto virava terceiro etc. Seu amigo avançava de décimo para nono lugar na lista. O décimo lugar da lista ficava vazio. Neste lugar, você escrevia seu nome. Fazia três cópias da nova lista e vendia por R$10,00 para três pessoas que você confiava que não quebrariam a corrente. Só com a “venda” para três amigos, você já pagava o que dera para seu amigo e o que enviara para o cabeça da lista e, ainda, ganhava R$10,00. Moleza! Estava iniciado seu caminho para ficar rico.

Realmente, se as três pessoas para quem você passou também passassem a corrente adiante e este processo se repetisse até você encabeçar a lista, quando todos enviassem os cheques postais para sua casa, você teria recebido a bagatela de R$ 590.490,00. Não é uma maravilha? Você se sentia o esperto! Todo mundo trabalhando ou estudando e você enriquecendo sem fazer força. Dava para desconfiar? Claro! Não há nada grátis nesse mundo, exceto, talvez, o direito de ser otário. Mas todo mundo ficava de olho grande e queria entrar na ciranda.

Bem, para encurtar a história, as correntes são trambiques clássicos. Quem começa ainda recebe uma grana dos ingênuos que vão entrando logo depois. A característica do processo, que cresce a partir de um pequeno grupo, ampliando o tamanho a cada nova camada de participantes, fez com que as correntes também se tornassem conhecidas como “pirâmides”. O crescimento de uma corrente é muito rápido – em matemática diz-se que é exponencial! – e em pouco tempo não existem mais pessoas para quem passar a corrente. Então, a corrente quebra e os últimos que entraram na brincadeira ficam sem receber grana nenhuma. O que seria óbvio pois dinheiro não dá em árvores, nem cai do céu. A grana que vai para os ganhadores vem de quem? Dos idiotas que entraram no final da corrente, claro!

Corrente é um tipo de golpe financeiro que se aproveita de algumas características humanas muito comuns tais como ganância, credulidade, ingenuidade e ignorância. É crime criar ou divulgar este tipo de coisa. Mas como aqueles que começam a brincadeira podem ganhar muita grana antes da corrente quebrar, esses golpes continuam a aparecer periodicamente. Inicialmente, alguns cretinos fizeram correntes onde o dinheiro era substituído por cartões postais ou preces. Entretanto, depois que a rapaziada percebeu que podia faturar alto com o golpe, as correntes se concentraram em mover dinheiro. Na década de 80, depois que o pessoal já estava um pouco calejado com o golpe, apareceu uma sofisticação do processo. O sistema foi recriado com as listas sendo administradas por uma central informatizada que emitia extratos semelhantes aos bancos, informando sua posição nas listas em sua caminhada para o primeiro lugar. Era uma empresa de Belo Horizonte. A polícia fechou a arapuca. Mas creio que os donos, como é usual, conseguiram fugir.

Foi na década de 90, entretanto, que os trambiqueiros profissionais entraram no sistema e deram cara nova à velha corrente. A inovação foi associar uma fachada de negócio sério ao velho truque. O grupo criou a venda de kits para produzir em casa um produto fermentado que diziam, na maior cara de pau, seria exportado para fabricar cosméticos na Europa. O panfleto de propaganda dizia que aquele era um novo processo de “terceirização de atividades industriais”. Eles vendiam o kit e se comprometiam a comprar a produção da massa fermentada, em parcelas, nos três meses seguintes. Este prazo para pagar foi chave para permitir que a corrente se expandisse, de maneira a dar tempo para os donos fugirem antes da quebradeira. O esquema era bem montado. A lucratividade era enorme. Você podia ser empreendedor e revender os kits, ganhando mais ainda. A empresa tinha escritório num prédio luxuoso de Ipanema. Os elevadores ficavam cheios de pessoas carregando kits e comentando como produzir mais massinha fermentada. O kit comum custava cerca de R$100,00. Mas existia também o kit Jumbo, vendido por mais de R$1000,00. A história saiu no jornal JB num dia; o assunto explodiu na cidade no dia seguinte e, no terceiro dia, os donos da empresa desapareceram. Diz-se que foi um golpe da ordem de R$40 milhões. Teve gente que colocou o dinheiro da venda de apartamento neste negócio da China. Adeus poupança!

Alguns meses depois o mesmo golpe foi aplicado na África do Sul ocasionando 200 milhões de dólares de perdas para os “correntistas”. Dizia-se que era tanta gente usando o espaço livre das casas para fermentar a massa que iria enriquecê-los, que o cheiro, em certos bairros pobres da Cidade do Cabo, chegava a deixar enjoado quem andasse pelas ruas. Logo depois, um país da Europa oriental (acho que foi a Polônia) sofreu o mesmo golpe com perdas altíssimas. Houve tumultos e o governo teve de intervir para manter a ordem entre os ambiciosos e ingênuos ex-comunistas que foram lesados. Foi, sem dúvida, uma maneira perversa de eles serem apresentados ao capitalismo selvagem.

O esquema de corrente também pode ser usado de maneira legal. Nas empresas que operam com a venda em cascata, do tipo da Amway, uma pessoa vende kits de produtos para um grupo de vendedores que lhe pagam um percentual sobre as vendas. Por sua vez, os vendedores procuram formar seus próprios grupos de vendedores que vão lhes pagar percentual das vendas, e assim por diante. Este esquema não tende a quebrar porque se auto-regula. Quando começa a ficar difícil colocar vendedores abaixo de alguém na cadeia de venda, este alguém se conforma em ganhar apenas para vender o produto ou sai da corrente. Uma coisa é certa: quem criou os primeiros grupos de vendedores ficou muito rico. E quem entra no final, pode ralar muito e perder dinheiro antes de perceber que o negócio já não é mais lucrativo no seu nível do esquema.

Com a Internet, a divulgação de correntes acontece frequentemente. Em geral, é um e-mail que começa com “eu não acreditava, mas arrisquei e fiquei rico …” ou “podemos nos ajudar e ganharmos todos”. O certo é que receberemos periodicamente e-mails propondo que entremos numa corrente. Você quer ficar milionário? Tem vocação para otário? Aproveite. A hora é essa!

PS: Este artigo disparou uma discussão acalorada sobre uma empresa que vende Planos de Turismo com esquemas em correntes (ou ciclos, o eufemismo usado). Vale a pena ler. Não sei o grau de legalidade do negócio. Não estou com tempo ou paciência para verificar. Pelos comentários divulgados, vejo muita “fé” nos que acham que é um bom negócio e mais razão nos que duvidam das qualidades da empreitada. Minha recomendação é estritamente de analista de investimentos: “Se o milagre é grande, o santo desconfia.”

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