Feriado da Páscoa. A Igreja, através de seus sacerdotes, aproveita a visibilidade para atacar o movimento pela discussão da legalização do aborto. Notem bem: a Igreja, tradicionalmente contrária ao aborto, não quer discutir o problema, procura atuar para impedir que o assunto seja tratado pelo povo através da maneira mais democrática: um plebiscito sobre a legalização do aborto. Portugal, recentemente, teve seu plebiscito e o aborto foi legalizado.
Mas parece que as coisas não serão tão fáceis para os religiosos. O novo governador do Rio, Sergio Cabral, deu a deixa. Ele se declarou a favor do planejamento familiar. Mais precisamente, ele considera que a discussão sobre o aborto deve acontecer. O Ministro da Saúde José Temporão também defende a realização de plebiscito sobre a legalização do aborto. Para ele esse é um assunto de “saúde pública”. O tema “legalizar o aborto” aparece com força nas agendas políticas e na imprensa. Zuenir Ventura usou seu espaço na página de opinião para comentar sobre as meninas-mães. Trata-se do enorme índice de mulheres, ainda crianças, que ficam grávidas em nosso país. Ancelmo Gois também tratou do assunto na edição de domingo do jornal. Miriam Leitão, faz algum tempo, declinou a estatística crua que mostra o perigoso caminho que nosso país está seguindo. É mais ou menos assim: as mulheres brasileiras mais miseráveis têm muito mais filhos que aquelas que têm condições de criar bem seus filhos. Uma mãe na faixa de renda abaixo de um salário mínimo tem em média mais de cinco filhos. A taxa para as mulheres com renda superior a 10 salários mínimos é de apenas 0,6 filhos por mulher! Assim, como bem registra Zuenir Ventura, o país está crescendo através de crianças geradas sem uma perspectiva de vida minimamente descente. Esses filhos e filhas, na maioria das vezes, vão compor um lar onde o pai foge de sua responsabilidade, deixando a mãe jovem para cuidar da criança. Essas famílias (ou semi-famílias) são o celeiro de crianças violentas, sem estrutura para freqüentar escolas, destinados desde sempre à marginalidade. E depois ficamos reclamando da violência das cidades? Todos conhecem a mais comentada das sacações do livro Freaknomics, que defende que a causa da diminuição da violência em Nova York não foi a política de repressão mais rígida. O motivo real foi a aprovação da legalização do aborto em 1973, que impediu a geração das crianças indesejadas, aquelas mais prováveis de se tornarem os marginais.
Então, este é o assunto do dia. A Igreja já disparou seu discurso contra o aborto ou qualquer prática de planejamento familiar. Sua orientação passa pela solução mais óbvia e pouco eficaz de ser implementada, que é o puro e simples celibato. Sexo, fica para procriação. Sem dúvida, uma proposta atual e alinhada com os anseios e realidades dos cidadãos e cidadãs. De nossa parte, ficamos com a posição radical. O aborto deve ser aprovado no país! Que seja legalizado o direito da mulher sobre seu corpo. Que não tornemos marginais as mulheres que realizam abortos a cada ano. Fiquem surpresos: o número de abortos supera o número de partos. O trabalho não é pequeno. Além do aborto, um grande projeto de educação é a solução maior para esclarecer os jovens do impacto em suas vidas se gerarem filhos indesejados ou não planejados. Entretanto, que se tome vergonha: comecemos, legalizemos o aborto em nosso país.