Em Busca do Tempo Perdido [Marcel Proust, 2001, Companhia das Letras]

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Já entrado nos anos (no bom sentido), decidi por me aventurar nos clássicos. Boa literatura não há de fazer mal a um sujeito prenhe de sentimento como eu. Pensei em Dostoievsky. Já li Crime e Castigo e, apesar da longa e difícil leitura, pois a edição de bolso tinha as letras muito pequenas, gostei do dilema de Raskonikov. Será que podemos fazer tudo? Matar sem culpa? Um dia voltamos ao assunto. Enfim, me via pronto a enfrentar novas paragens. Por que não a Montanha Mágica? Investi por certo tempo em Thomas Mann. O cara escreve bem. As pessoas, em particular o personagem principal, Hans Castorp, eram exibidas até as conhecermos intimamente. Mas, cansei da tuberculose e abandonei o sanatório. O fato é que o tempo passa e idade é assunto que amedronta cada vez mais. As rédeas do tempo, quem as segura? A cada dia que passa o futuro fica menor e o passivo não realizado se agiganta. Começo a contar com a sapiência da Natureza. Rogo que a doce ignorância da senilidade me poupe de perceber o tamanho do estrago. Bem, já que o tempo é fator crítico, lembrei-me do famoso Em Busca do Tempo Perdido. Além do mais, ler Proust c’est très charmant. Lá fui eu, metódico, ao primeiro dos sete volumes: No Caminho de Swann (no original, Un Amour de Swann), na tradução de Mário Quintana. Haviam me alertado que talvez não fosse o tipo de obra talhada para minha notória superficialidade. É coisa para pessoas que amam os detalhes, as minúcias, que querem ver uma vida possível descrita por um escritor meticuloso. Tendo a concordar com os amigos que não sou exatamente um apreciador de descrições aprofundadas. Entretanto, sentindo o tom depreciativo quanto à minha capacidade de me emocionar, encarei esta obra como um desafio. Não era um bom começo. A pressão que sofre um espírito tomado por uma missão, uma gincana de completar tarefas, é contraproducente e não condiz com o prazer literário. Mas, lá fui eu.

Marcel Proust aborda, no primeiro volume da Busca, sua infância em Combray, rememorando momentos ocorridos com pai, mãe, tias e avó. Uma sucessão de momentos nos são passados com extrema fidelidade, rebuscando cada pormenor dos objetos, sua cores, formas e cheiros. Tudo começado por um pó de pirlimpimpim surgido sob a forma do sabor de uma madalena (madaleine, pequeno biscoito francês) que ao ter seu gosto lembrado por Proust, dispara o jorro da inesgotável memória do autor. Um momento emocionante do livro. É pura criação. Afinal, trata-se de 1912, e o autor já criava desvairadamente. Proust recria o mundo escrevendo, qual um deus, pincelando, a seu bel prazer, uma vida. E, então, sai ele a descrever, em páginas e páginas, o quarto em que dorme. Nada ou pouco acontece e, no entanto, Proust, ao retocar e retocar a imagem que faz do universo que cerca o jovem personagem de seu livro, exercita a criação como se fosse um jogo de realidade virtual em que os objetos vão ganhando contorno e textura à medida que as frases enriquecem seu significado. Sem dúvida: um primor e … um tédio! O fato é que este objetivo de criar um mundo novo no livro se tornou uma obsessão e, após publicar Swan, Proust se enfurnou e se dedicou a sua obra, favorecido que foi por não ter participado da Guerra de 1918 devido a incapacidade física. Sua obra, sem dúvida coisa de um possuído, foi encerrada pela morte do autor em 1922. Se não fosse isso, ele, sob os efeitos alucinatórios de sua madeleine, estaria escrevendo até hoje.

O livro me incomodou. É preciso ter um espírito quieto e disciplinado para enveredar por Proust. Durante a leitura do francês, fiquei carente de alguma ação. Como paliativo, li, em paralelo ao clássico mundial, o mais recente romance policial de David Lehane, Apelo às Trevas. Adrenalina pura! A história da dupla do casal de detetives que atua no subúrbio de Boston e se depara com um serial killer gente boa, do tipo que crucifica e separa os braços do corpo de suas vítimas, foi oportuno contraponto ao eficiente e modorrento Marcel Proust. Por sinal, a superficialidade eficiente de Lehane é impressionante. Ele coloca uns poucos adjetivos, por exemplo, diz que o sujeito é alto e tem olhar melancólico, e vai em frente nos eventos da história, em ritmo vertiginoso, emulando com perfeição um filme classe B+. Ele escreve para vender para o cinema. O autor deve estar ganhando uma grana com a venda de suas histórias para Hollywood. Mas, sou insistente. Ainda estou investindo no livro do mestre francês. Quando terminar, comento mais. Ainda chego, um dia, a ser um intelectual. Deus há de me dar forças.


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3 comentários em “Em Busca do Tempo Perdido [Marcel Proust, 2001, Companhia das Letras]”

  1. Encontrei o site quando perguntei a S.Google se valia a pena ler Em Busca do Tempo Perdido. Como não gosto de livros excessivamente descritivos, (traumas de juventude ao ler Tronco do Ipê…) tenho dúvidas se entro ou não nesta empreitada.
    Encontrei seu texto com as mesmas inquietações que as minhas sobre ler ou não ler.
    A Montanha Mágica também abandonei quando o assunto tuberculose se tornou presente demais.
    Vou comprar o primeiro volume de Em busca ….. e tentar ler.
    De qualquer forma, descobri o site e gostei.
    Vou voltar mais vezes para visitá-los.

    Respondendo: Obrigado pelo feedback. Você deve imaginar como é difícil dizer que não se gostou de Proust. Mas ainda não estou convencido do meu desgosto. Vou tentar retornar a ele no futuro. Abraço.

  2. Achei muito legal seu comentário sobre Proust Gostaria de sugerir que ao invés de comentar, voce escrevesse um livro. Percebi que vc é ironico(ironisa a si mesmo e isto é ótimo!)Tem conteudo, boa articulação gramatical etc. Gostaria que vc considerasse a sujestão.

  3. recebido por e-mail:

    16.05.2008
    o que é issso amigo? esperar ação da literatura indagá-la de algo cuja resposta não está em seu meio, mas ao seu redor. É tão irrelevante. Um livro que você deveria não é só uma partida de futebol a assistir, ou um filme, no ponto,e nãqo só pela linguagem. Eu diria que Proust e alguns outros atores jão por eles mesmos uma linguagem psicológica e representam uma viagem filosófica única, e só são grandiosos porque além disso são universais. Por fim , discordei muito de você sobre suas expectativas literárias, principalmente porque não pode iniciar uma leitura com uma certa sensação predestinada, como um suspense qualquer, ou o desenho de uma determinada cena q nunca te deixa desmotivado. O segredo é sempre estar, sentir livre, posicionar-se livre para mergulhar num mundo desconhecido, o do autor, e de certo, o seu também.

    15.10.2007
    “Clássicos”. O que seria da literatura sem eles?
    Gostei do texto acima. Sincero e honesto. Confesso que não li dois dos livros citados à cima: “Em busca do tempo perdido” e “A montanha mágica”. Sobre ambos tenho muita curiosidade de lê-los, principalmente Proust. Ah!, os comentários são sempre os mesmos. Minúcia e profundidade. Às vezes não querendo dizer nada. Só descrição. Ainda vou ler; ambos. Sobre Dostoievski … ah que coisa boa! Isso que é escritor. Este sim já li vários, quase todos. Como ele, para mim é claro, não tem comparação; sou fã de carteirinha, mesmo. Podemos ver e sentir o que os personagens estão passando. O sofrimento em que eles se encontram; um labirinto cheio de emoções. E a quantidade de personagens, que entram e saem da história com uma facilidade. Quando voltam sempre dão uma cara nova ao enredo. Uma nova porta se abre, um novo conflito se instaura. E a culpa que cada personagem sente, uma aula de existencialismo. “Crime e Castigo”, o melhor livro que já li, sem dúvida alguma. Recomendo para TODOS, principalmente os estudantes de DIREITO. E digo mais! Os advogados têm a “obrigação” de ler um livro como este. Vai torná-los muito mais humano e sensível. Além de qualquer outro colega de turma que ficou com os livros “técnicos”. Bíblias que obrigam os estudantes a “tecnificar” sua conduta diante do júri. Condenando ou absolvendo, puro e simplesmente. Ah Raskolnikov! Não sabe o quanto nos ensinou. Bom, poderia escrever muito mais sobre este livro. Mas vou poupá-los e deixá-los curiosos. Realmente vale à pena ler este clássico. Já que estamos falando DELES, não poderia terminar de escrever sem deixar uma dica. “Os sofrimentos do jovem Werther” de Goethe. Eta livro bom esse também! O único que consegui ler numa “paulada” só. Um dia inteiro mergulhado no amor de Werther e Charlotte. Não pela quantidade de páginas; até por que o livro tem pouco mais de 200 folhas. Mas a profundidade. O amor que o jovem Werther emana pelos poros pela doce e linda Charlotte. E que final em … Surpreendente. Para os que se aventurarem, não deixem de ler a versão traduzida direto do alemão da editora Martins Fontes. É a melhor.

    14.05.2007
    Legal sua verve literária. Você é muito inteligente, mesmo não achando Proust um chato. Cá entre nós, ele é mesmo, e acho que as pessoas que o lêem o fazem apenas para poder dizer “Eu li Proust” e então a gente ficar olhando para elas com aquela boca aberta de quem diz “óóóóóó”, porque obviamente se trata de um ser superior (ou inferior, nunca saberemos ao certo).

    26.08.2004
    Adorei o texto sobre a obra de Proust “Em busca do tempo perdido”, pois também tentei ler esse livro e senti a mesmíssima sensação que o autor do texto descreve. O mesmo ocorreu quando tentei ler a Montanha Mágica. Em se tratando de clássicos prefiro sempre Dostoievski que, além de escrever maravilhosamente bem, traz em sua obra discussões sempre atuais. De fato seu “Irmãos Karamazov” foi o livro mais empolgante que já li. Não é exagero afirmar que a obra do russo pode atuar como terapia existencial.

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