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um ensaio sobre o falso e as simulações
Recentemente escrevemos sobre Matrix, ainda em cartaz e fazendo carreira de sucesso no Rio. Depois disso, recebemos alguns pedidos para comentar o filme O Show de Truman (1998). Os pedidos vieram sempre relacionando os dois filmes. O que eles têm em comum? Ambos tratam da farsa, da simulação, da situação do indivíduo que percebe que a realidade que ele conhecia era um enorme engodo, uma encenação para lhe esconder a verdade. Este tema é fértil e produziu muitos enredos de livros e contos interessantes que, eventualmente, viraram filmes.
Como comentamos na matéria sobre Matrix, o livro Simulacron 3, de Daniel F. Galouye, apesar de ser uma obra de 1968, já apresentava a idéia da simulação de um mundo em computador. Este livro deu origem ao filme 13º Andar. O personagem da história, que trabalha na simulação de um sistema biológico numa máquina, se depara com a possibilidade dele também ser uma simulação. E não é que é!
Com diferentes focos no científico ou no poético, a idéia se repete. Qual foi mesmo o escritor que coloca um personagem como sendo o sonho de um outro? Teve também o episódio do radical seriado Além da Imaginação, em que o indivíduo se adianta no tempo e encontra com a equipe que está montando o cenário para os próximos momentos de sua vida!
As variantes são muitas. O Magazin de Ficção Científica, na década de 70, trouxe uma história onde as pessoas fugiam à realidade participando de um tipo de novela com recursos de realidade virtual. Era o falso que todos desejavam. O telespectador (se podemos chamar assim?), usando um capacete, podia “sentir” a vida adorável de uma artista famosa, que, como as estrelas do cinema que conhecemos, tinham a vida que todos invejavam. Era só vestir o capacete e você vivia uma vida de sonhos. O final inusitado do conto é que a atriz não achava aquela vida tão agradável e, numa crise de depressão, se suicida. Os telespectadores que estavam plugados nela naquele momento morrem junto com a moça.
Um filme, passado na 2a Guerra Mundial, descreve um hospital montado pelos alemães, para onde os prisioneiros americanos eram levados. Diziam aos americanos, tratados como pacientes em um hospital aliado, que vários meses tinham se passado depois do fim da guerra e que eles sofreram de amnésia durante todo esse tempo. Através de conversas convincentes, os alemães, se fazendo passar por médicos e enfermeiras americanas, tentavam obter informações estratégicas dos pacientes que se restabeleciam no hospital. Por que não conversar a respeito do passado? E assim, os pobres americanos iam entregando tudo. A informação mais importante para os alemães era onde aconteceria o desembarque aliado. O final do filme é uma batalha pessoal entre o médico alemão e o herói americano aprisionado. Este tipo de roteiro foi explorado até a exaustão pelo seriado Missão Impossível. Vocês lembram do começo da versão para o cinema, estrelada por Tom Cruise?
Mais elaborado, Orson Welles fez F for Fake (1975), um filme sobre o falso na arte. Ele usa a armadilha da mentira dentro do próprio filme. Entretanto, a versão mais enxuta para o tema do jogo da falsidade aparece no filme e peça de teatro Sleuth (1972). O filme é um pas de deux dos virtuosos Laurence Olivier e Michael Caine.
Ultimamente, a idéia voltou à moda e Matrix coloca o tema como centro da trama. Teve também Virtuosity (1995), com Denzel Washington, que faz o personagem da realidade virtual vir para a realidade. Ou o recente A Vida em Preto e Branco (Pleasantville), onde as coisas se invertem: é a realidade que invade a ficção. The Truman Show usa a idéia para criar situações cômicas e levemente críticas à pasmaceira do american way of life. Teve chance de discutir muita coisa, mas ficou na exibição das caretas – nesse caso, contidas – de Jim Carrey.
Desse jogo de esconde-esconde geral, pode-se especular se esta onda não é um extravasamento do inconsciente coletivo de hoje. Gostaram da filosofia? Antigamente, a ficção científica tratava de invasões de seres alienígenas. Os críticos diziam que aquilo era tudo trabalho do inconsciente americano apavorado com a possibilidade de uma invasão pelos russos comunistas comedores de criancinhas. Será que hoje, esse tesão pelo falso produzido pela tecnologia, não é a expressão da reação geral a um mundo, onde cada vez temos acesso a mais informação, na mesma proporção em que ela é cada vez mais manipulada. A publicidade e os meios de informação tem cada vez mais força para funcionar como um Big Brother supereficiente. Tão eficiente que não achamos os meios de comunicação capazes de toda esta eficiência.
Dentro da tecnologia da falsidade, assistimos a Internet desempenhar papel de destaque. Através da rede, podemos estar em contato com dezenas de pessoas usando os chats e ICQ. Mas em contato com quem? Ou o quê? Na maior parte das vezes não sabemos quem está do outro lado conversando conosco. Vejam por exemplo este site, o Polemikos. Afinal, quem escreve isso? Quem são Gustavo Gluto e Tirésias da Silva? Repórteres conhecidos brincando nas horas vagas? Ou, apenas, seus colegas, que se reuniram para criar mais uma farsa?