O Valor do Amanhã [Eduardo Gianetti, 2005, Companhia das Letras]

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Durante a vida humana, somos expostos a tomar infinitas decisões, muitas delas se encaixam no problema de escolher entre desfrutar algo hoje ou esperar para saboreá-lo amanhã. Este problema, inerente ao transcorrer da vida na linha do tempo, é abordado com profundidade e elegância no livro O Valor do Amanhã, do economista e filósofo Eduardo Gianetti. Diz-se que o livro trata dos juros. É avaliação superficial. O tema é mais amplo. Como o próprio autor reclama: “A face mais visível dos juros monetários representa apenas um aspecto, ou seja, não mais que uma diminuta e peculiar constelação no vasto universo das trocas intertemporais em que valores presentes e futuros medem forças.” Com maestria, Gianetti apresenta o problema das trocas intertemporais que ocorrem em todo o mundo animal. Seus exemplos são magníficos. Afinal, que aperfeiçoamento darwiniano conduziu uma espécie de ratos a estocar alimento para o inverno em quantidade muitas vezes superior à sua capacidade de consumir? Exibindo extremos dos comportamentos de nossa espécie – a avareza, a gula, a entrega às drogas, a dedicação monástica exigida por uma religião – Gianetti explora as variantes do modelo de decisão do tipo “ter agora, pagar depois” versus “pagar agora, para ter mais tarde”. É curioso como um modelo de decisão tão simples de ser enunciado se aplica a situações tão distintas. Se aplica à escolha do momento de um investidor realizar os lucros de seus investimentos. Ou à prosaica decisão do comensal que escolhe entre comer o musse de chocolate agora, em detrimento de exibir o abdômen “tanquinho” amanhã.

O pano de fundo do livro é o problema humano retratado na letra de música de Lobão: “viver dez anos a mil ou mil anos a dez?”. Como bem sintetiza Gianetti, “a vida é um intervalo finito de duração indefinida”. Se houver um deus a quem agradecermos por nossas alegrias e culparmos por nossas agruras, sem dúvida ele deve rir muito de nossa inquietação e insegurança para tratar o problema de como bem viver a vida. Devemos buscar a satisfação imediata? Ter ou fazer hoje o que desejamos, a qualquer custo? Ou nos poupamos, nos guardamos? Buscamos a segurança que nos proverá nos serenos anos da velhice? Mesmo com as promessas de vida eterna das religiões – que Gianetti apresenta com notável isenção – os humanos têm dificuldade em se desapegar da dádiva da vida como conhecemos. Em geral buscamos otimizar nossa experiência de vida terrena. Apesar de toda a pantomima religiosa, não levamos muita fé nas promessas dos messias. Mesmo com o marketing das igrejas, como não há nenhum indício minimamente palpável de que existam as mil virgens que nos prometem no paraíso, a maioria não opta pela solução de dar um tiro na cabeça e passar “dessa para melhor”. Temos mesmo que resolver a vida antes de morrer.

No início de um curso de matemática financeira que ministrei, para ilustrar a idéia de juros, usava o exemplo de duas criaturas limites. Uma delas era imortal, suas decisões não se alteravam em relação ao tempo. A outra, chamada “criatura efêmera”, acometida de uma doença terminal, tinha pouco tempo de vida para usufruir. As duas tinham que fazer escolhas com relação a um fluxo de recebimentos de recursos. Uma tinha pressa em receber valores. A outra era indiferente em relação aos prazos de entrega dos recursos. Daí surgia o conceito dos custos das trocas intertemporais e a noção de juros. Eduardo Gianetti apresenta arquétipos de decisores mais interessantes e genéricos. Ele utiliza a cigarra e a formiga de Esopo. Gianetti cunha a figura da cigarra límbica, que só se interessa pelos prazeres de curto prazo, e da formiga pré-frontal, planejadora e focada em abrir mão da boa vida agora para garantir seu futuro. A discussão conduzida pelo autor nos leva a pensar se consumimos com perícia o bem limitado e perecível que é o tempo de nossas vidas. Pode parecer pouco importante para os jovens (e realmente não o é, pois eles têm a sensação inebriante de serem imortais), mas o problema da aposentadoria, ou seja, a decisão de quanto deixar de gastar hoje para garantir o amanhã, é preocupação que vai tomar bom tempo de suas vidas. Aos jovens, a mensagem: Aguardem!

Gianetti explora as diversas visões de como viver: a miopia do irresponsável que só atenta para o imediato, e o hipermetrope, que religiosamente (o advérbio se aplica como uma luva) se prepara para um futuro que o prazo indefinido do contrato da vida não lhe assegura. Por isso minha menção ao livro ser um guia de auto-ajuda para pessoas sofisticadas. A colocação do problema e sua exploração em facetas diversas propiciam oportunidade única para cada um pensar: Qual a boa prática para gastar a grande dádiva de viver?

A obra de Gianetti retoma preocupações que ele já abordara em outras ocasiões, como no livro Felicidade. Será a felicidade de um indivíduo um estado de euforia momentâneo decorrente do último prazer ou dor experimentado, ou é a sensação de prazer obtido pela soma das experiências passadas e expectativas futuras de prazer percebidas pela pessoa? A felicidade é a gargalhada do momento ou o sereno sorriso garantido para amanhã? O tempo também é senhor de nossos sentimentos.

Fica a recomendação do livro e autor. A identificação do modelo do problema das trocas intertemporais é elemento importante tanto no nível profissional como pessoal. A inteligência do discurso de Gianetti é hipnotizante. O texto elaborado e elegante embala a leitura. O Valor do Amanhã foi dos melhores lançamentos de 2005, teve muito boa venda, mas é produto que vai vender bem no longo prazo. O livro é mais propício aos maduros saborearem. Em geral, o futuro é assunto que a miopia da juventude despreza: “Pobres moços, eles não sabem o que eu sei.” dizia Cartola. Por outro lado, aqueles que já consumiram mais da metade do máximo que esperam viver, terão mais atenção para o assunto.



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