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A proposta de compilar os 100 livros mais importantes para a humanidade é sujeita a muitas críticas. Afinal, dependendo da formação, de sua área de interesse e, até mesmo, da nacionalidade do autor, livros importantes podem ser excluídos ou inseridos inadequadamente na coletânea. Entretanto, provavelmente, se reunirmos um grupo grande de intelectuais, eles devem coincidir em 80% das indicações. E pra que serve essa brincadeira de classificar as obras? Ora, serve pra gente ler sobre livros e seus autores. Os 100 Livros que Mais Influenciaram a Humanidade é uma maneira de observar como o conhecimento foi retratado e registrado na maneira mais inteligente de transmiti-lo: a escrita. É claro, que em tempos atuais, dominados que somos pela televisão, quando se diz que uma imagem (ou, pelo menos, um audiovisual) vale mais que mil palavras, a importância do livro pode ser colocada em dúvida. Entretanto, sou da antiga, ainda acho que boas mil palavras valem mais que um milhão de imagens.
O autor, Martin Seymour-Smith, falecido em 1998, aos 70 anos, se sai muito bem na empreitada. Seu livro equilibra a descrição das obras selecionadas, comentando a obra do autor, situando o contexto da época, mais o resumo biográfico do escritor e algumas tiradas sarcásticos em relação a pessoas e outras obras famosas, apesar de sua notória mediocridade. Seymour-Smith nos conduz através da evolução da filosofia, comparando suas propostas e a evolução dos modelos. A partir de 1500, com a aceleração da ciência matemática e da física, ele também se sai bem na apresentação de seus gênios mais ilustres. O retrato abrangente torna saboroso apreciar as querelas entre Leibniz e Newton, ou a dificuldade de Einstein em aceitar o modelo quântico.
Esta lista de 100 livros mostra como o homem investiu com dedicação, ao longo de sua história, em tratar o problema mais complexo e mal resolvido que sua consciência lhe obriga a enfrentar: – Afinal, o que somos? Fica a forte impressão de que a civilização resvalou para a solução fácil da religião. Sem dúvida, criar deuses simplifica em muito a tarefa de explicar o que nos circunda. Diz a tradição rabínica “a fé das pessoas pouco instruídas não deve ser perturbada pela discussão de matérias que elas não entendem.” (pg. 203). Mas, enquanto os mansos herdavam a tranquilidade da fé, os mais instruídos se debatiam (e se debatem) tentando explicar a realidade. A Cabala (século VII) mostra a dificuldade dessa busca: “Tudo o que nós, ordinários seres humanos, conhecemos são nossas próprias reações à realidade, mas não a realidade.”
O leitor tem neste livro a oportunidade de verificar a inter-relação entre modelos de pensamento brotando em pessoas e épocas diferentes. Na apresentação de Sobre a Liberdade (1859), de John Stuart Mill, nos deparamos com a discussão do conceito de felicidade geral. Será que a felicidade de cada pessoa ser boa para ela implica que a felicidade de todos é individualmente boa para cada pessoa? Já, Pareto, em 1916, colocando a felicidade em termos econômicos, afirmava que “a economia atingia o máximo de eficiência somente quando era impossível melhorar a situação de um indivíduo sem prejudicar a de outro”. A apreciação dos diferentes modelos numa só passada favorece nossa capacidade de crítica. Em falando de crítica, interessante é a repugnância (bastante justificada, por sinal) que Seymour-Smith tem por Skinner. O livro Além da Liberdade e da Dignidade, de Skinner, foi escolhido como o 100o livro. Neste capítulo, o autor exercita sua oposição ao escritor com veemência. Por sinal, quando ele não gosta, sua acidez é mortal. Vejam como termina sua referência a Freud: “O destino da psicanálise é incerto, nas nesse sentido vale a pena mencionar que o próprio Freud era de opinião que finalmente causas físicas para estados mentais seriam descobertos. Isso tende a tornar obsoleto o que é muito freqüentemente uma forma de lavagem cerebral”.
O formato de 100 Livros… o recomenda para livro de cabeceira. Ir passando, aos poucos, os artigos de menos de 10 páginas para cada obra apresentada, facilita a leitura numa época de pouco tempo disponível. Para quem ainda tem paixão pelos livros, dificilmente terminará este sem a curiosidade despertada para alguma obra que recebeu o comentário inteligente de Seymour-Smith.
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